Apesar da vitória contundente de legendas extremistas em vários países europeus, a extrema direita portuguesa perdeu assentos nas eleições para o Parlamento Europeu, que terminaram no domingo, amargando um terceiro lugar, atrás da oposição socialista e da coalizão governante de direita moderada. Mas o Chega, sigla antissistema fundada em 2019 por André Ventura, venceu entre os brasileiros aptos a votar no exterior: no Brasil, conseguiu 35% dos votos, segundo as primeiras projeções, e ficou em primeiro lugar.
Pautado em um forte discurso anti-imigração e com falas xenofóbicas recorrentes, o Chega é hoje a terceira força política de Portugal. Em março, o partido radical conseguiu quadruplicar sua bancada na Assembleia Nacional portuguesa, no maior avanço da extrema direita no país na História recente. A sigla passou de 12 para 48 deputados, conquistando 18% dos votos.
Um de seus representantes é o brasileiro Marcus Santos, de 45 anos, que foi eleito deputado em março. Santos, que concorreu pela região do Porto, afirmou nunca ter tido problemas no Chega por ser negro ou brasileiro. Nascido no Rio de Janeiro e filho de pai militar e mãe doméstica, ele saiu do Brasil aos 18 anos para morar nos Estados Unidos. Vive em Portugal desde 2009 e tem uma mulher e um filho portugueses.
No domingo, as primeiras projeções das eleições para o Parlamento Europeu confirmaram uma guinada à direita do único órgão eleito da União Europeia. A extrema direita venceu de maneira contundente na França, onde o presidente Emmanuel Macron convocou eleições legislativas para junho, ficou em segundo na Alemanha e fincou posições na Áustria e Alemanha. A centro-direita, liderada por Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, segue como a principal força, mas sua margem de ação foi reduzida.
Na Alemanha, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) ficou em segundo nas urnas, com 14,5% dos votos e 14 cadeiras no Parlamento. Na vizinha Áustria, o Partido da Liberdade teve, de acordo com as projeções, 25,7% dos votos, e deve dobrar sua presença no Parlamento Europeu, agora com seis cadeiras, deixando para trás o Partido Popular Austríaco (centro-direita) e o Partido Social-Democrata (centro-esquerda), que terão cinco cadeiras, e tiveram 24,7 e 23,2% dos votos.
Na Itália, a premier Giorgia Meloni, um dos principais nomes da extrema direita na Europa, viu o Irmãos da Itália ficar em primeiro, com 28,5% dos votos, quase cinco pontos percentuais a mais do que o Partido Democrata, de centro-esquerda. Meloni se engajou na campanha, e chegou a concorrer como candidata, mesmo sem poder assumir uma cadeira caso eleita, de acordo com as regras europeias. Na Espanha, onde o Partido Socialista, do premier Pedro Sánchez, ficou em segundo, atrás do Partido Popular, de centro-direita, o Vox dobrou sua votação em relação a 2019, com 9,6% do total, e pode ter até sete cadeiras. O antissistema Acabou-se a Festa, do youtuber Alvise Pérez, também ligado à extrema direita, surpreendeu com 4,6% dos votos e três cadeiras conquistadas.
Como apontou ao GLOBO o professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo Kai Lehmann, apesar do avanço da extrema direita no Parlamento Europeu, não há sinais de que esses partidos estejam prestes a formar uma coalizão ampla e poderosa. Ele aponta para as muitas diferenças entre esses grupos, e até para a exclusão de alguns deles do debate neste campo político.
— Houve recentemente uma ruptura nesse bloco, Marine Le Pen (Reagrupamento Nacional) disse que não iria mais trabalhar com o Alternativa para a Alemanha (AfD, que deve conquistar cerca de 15 assentos). Isso é ruim para esse grupo político, e será ainda pior para a AfD, porque significa que ela estará em um campo menor e ainda mais extremo, fechando a porta a vários direitos e à participação em comissões e postos — disse o professor da USP. — Há também brigas internas nacionais, como entre [Matteo] Salvini [vice-premier] e Meloni na Itália, e ninguém sabe como isso vai impactar as eleições e depois das eleições.
Fonte: O Globo