CEO da OceanGate queria ser o ‘Elon Musk dos mares profundos’: novos documentos revelam problemas na construção do Titan

CEO da OceanGate, Stockton Rush mostra manete com que tripulação conduz submarino Titan
CEO da OceanGate, Stockton Rush mostra manete com que tripulação conduz submarino Titan — Foto: Reprodução/YouTube

Um ano após a implosão do submersível Titan durante uma expedição para visitar os destroços do Titanic, documentos internos da empresa OceanGate revelados pela imprensa americana mostram as mentiras contadas pelo CEO Stockton Rush, a pressa no desenvolvimento e dezenas de problemas na embarcação.

Segundo os documentos revelados pela Wired, a partir da entrevista anônima com dois fornecedores e vários ex-funcionários da OceanGate, a Boeing e a Universidade de Washington estiveram envolvidas nas fases iniciais do projeto do submersível de fibra de carbono, embora o trabalho de ambas não tenha sido incorporado ao design final do Titan

Os ex-funcionários também contaram que a cultura corporativa era de silêncio. Funcionários que questionavam a abordagem e as decisões de seus chefes foram demitidos por serem considerados excessivamente cautelosos ou até mesmo por discordarem de procedimentos adotados.

Rush, segundo os ex-funcionários, era “obcecado por sua ambição de ser o Elon Musk dos mares profundos”. Era normal que ele exagerasse sobre o progresso da OceanGate e, em pelo menos uma ocasião, o CEO mentiu sobre problemas significativos com o casco do Titan.

Pouco tempo antes dos engenheiros entregarem o submersível à equipe de operações da OceanGate para testes no mar, David Lochridge, que supervisionava as operações marítimas na empresa e precisava aprovar a transferência, ficou convencido de que o Titan não era seguro. Em janeiro de 2018, Lochridge enviou a Rush um relatório de inspeção de controle de qualidade detalhando 27 problemas com o veículo, desde vedações questionáveis nas cúpulas e parafusos ausentes até materiais inflamáveis e mais preocupações sobre o casco de fibra de carbono.

Lochridge foi demitido por Rush no dia seguinte e processou o ex-funcionário por quebra de contrato. Isso porque Lochridge fez uma denúncia à Administração de Segurança e Saúde Ocupacional sobre o Titan. O acordo resultante desse processo fez com que Lochridge retirasse sua queixa, pagasse cerca de US$10 mi à OceanGate e assinasse um acordo de confidencialidade.

Segundo a Wired, Rush frequentemente inflava as conquistas, planos e ambições da empresa. Até 2018, o CEO falava em construir uma frota de Titans autônomos capazes de mergulhar até 6.000 metros, e escritórios satélites na Croácia, Israel e no Pacífico Sul. Segundo a publicação, ele imaginava um mundo cujos oceanos eram povoados por bases subaquáticas tripuladas da OceanGate, que poderiam ser usadas para armazenamento de dados ou até mesmo como “habitat Plano B” para bilionários preparados.

Mas, na realidade, a OceanGate vivia como qualquer startup moderna que precisa de investimentos frequentes para se manter em funcionamento. De acordo com a Wired, Rush tentava economizar dinheiro onde podia, como por exemplo com estagiários, que compunham cerca de um terço da equipe de engenharia, e recebiam salários baixíssimos. Rush também teria reduzido os componentes de titânio do submersível de qualidade aeroespacial grau 5 para o mais fraco e mais barato grau 3, conforme relatado por um ex-funcionário.

De acordo com documentos internos, até 2018 a empresa havia levantado cerca de R$ 45 milhões em capital de risco e mais R$ 20 milhões de subsidiárias que lucravam com as pesquisas e missões científicas da OceanGate. Mas a verdadeira oportunidade de negócio seria as viagens ao Titanic.

Os cinco homens a bordo do submersível eram Shahzada Dawood, 48 anos, um empresário britânico-paquistanês; seu filho, Suleman, 19 anos; Hamish Harding, 58 anos, executivo de uma companhia aérea britânica; Paul-Henri Nargeolet, 77 anos, uma autoridade francesa em Titanic; e Stockton Rush, 61 anos, fundador e CEO da OceanGate, a empresa americana que construiu o submersível e conduziu seus mergulhos turísticos. Ele também era o piloto do Titan naquele dia.

Durante anos, desde 2018, Rush ignorou avisos de que o design não convencional do submersível estava destinado a falhar. Uma renúncia da OceanGate para passageiros em potencial postada no site Business Insider dizia que a nave “experimental” havia afundado sob as ondas cerca de 90 vezes e conseguido alcançar a profundidade do Titanic em 13 mergulhos

Um waiver (isenção de responsabilidade) da OceanGate para passageiros aspirantes publicada pelo site Business Insider disse que a embarcação “experimental” mergulhou sob as ondas cerca de 90 vezes e conseguiu atingir a profundidade do Titanic em 13 mergulhos.

A calamidade do Titan começou em 18 de junho de 2023, quando a embarcação foi relatada como desaparecida no Atlântico Norte. Em 22 de junho, a Guarda Costeira, citando a descoberta de destroços do Titan perto do local de descanso do Titanic, anunciou que o submersível sofreu uma “implosão catastrófica”.

Durante cinco dias tensos, uma frota de navios internacionais procurou pela embarcação perdida, alimentando esperanças de que os viajantes do Titan estivessem de alguma forma vivos, mas presos em uma crise cada vez mais sombria a 3,2 mil metros de profundidade.

Relatos da imprensa perguntavam quanto oxigênio poderia restar no sistema de suporte à vida do submersível. Barulhos de batidas subaquáticas também foram detectados. Alguns analistas sugeriram que sobreviventes no submersível perdido tentavam desesperadamente sinalizar sua localização na esperança de resgate.

O anúncio de implosão da Guarda Costeira pôs fim à narrativa de sobrevivência. A especulação pública nas semanas seguintes se voltou para o que poderia ter dado errado nos últimos minutos do Titan em 18 de junho.

Fonte: O Globo

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