Cem dias de governo Milei: pesquisa mostra que as classes mais baixas são as que mais apoiam o presidente argentino

Marionete do presidente da Argentina, Javier Milei, durante protesto contra o governo em Buenos Aires
Marionete do presidente da Argentina, Javier Milei, durante protesto contra o governo em Buenos Aires — Foto: Tomas Cuesta / AFP

Uma pesquisa apresentada na terça-feira pelo jornal argentino Clarín sobre a avaliação dos 100 dias do governo de Javier Milei mostra um dado interessante: em um momento que a pobreza afeta quase 60% da população, são as classes mais baixas do país — os níveis socioeconômico D e E — que mais apoiam o governo e o estilo do ultraliberal. A pesquisa foi realizada pela Equipo Mide entre os dias 4 e 12 de março. Foram realizadas 1.674 entrevistas em todo o país.

Quando questionados sobe o estado de ânimo atual em relação ao governo, 25% dos entrevistados responderam “esperança”. Desse total, 28% correspondem às pessoas de classes mais baixa. São elas também os que mais confiam na administração do governo: 54% do total de 50% que acredita que Milei caminha na direção “correta”.

O mesmo vale para a avaliação da imagem do ultraliberal e sua forma de liderança. Pelo menos 50% dos entrevistados têm uma imagem positiva do governo Milei ao longo desses 100 dias (30% muito bom e 20% bom) e 49%, negativo. Não sabe responder ficou em 1%. Entre aqueles que analisam positivamente o governo, 56% são classes mais desfavorecidas.

Os mais pobres também são os que mais defendem o estilo e a atitude de Milei. Enquanto 57% afirmam não aprovar o outsider, 43% dizem gostar — 51% desse total correspondem aos níveis socioeconômicos mais baixos. No geral, também são os que mais apoiam o governo Milei, correspondendo a 45% do total de 38%.

Numa análise mais ampla, os números mostram que as expectativas negativas ainda superam as positivas (47% a 33%) e a inflação continua sendo a principal preocupação entre os argentinos (24%), seguida pela pobreza (18%). A gestão nacional também foi avaliada por 47% dos entrevistados como “negativa”, e o estado de espírito atual concentra-se em sentimentos negativos: “incerteza” (23%), “raiva” (19%), “medo” (10%) ou “decepção” (7%).

Na visão do editor-chefe de Política do Clarín, Eduardo Paladini, o apoio dos mais pobres ao presidente pode conter diferentes significados. O dado, pontua, poderia revelar uma “certa consciência da profundidade da crise herdada” — 33% acreditam que a situação econômica irá melhorar a curto prazo — e a “compreensão de que o esforço deve ser compartilhado”. Paladini também observa um possível voto de confiança “estendido a um líder diferente”.

Em um balanço, o governo Milei teve alguns indicadores econômicos positivos, com a reconstrução das reservas brutas do Banco Central e um superávit financeiro em janeiro e fevereiro, segundo anunciado pelo ministro da Economia, Luis Caputo, na sexta-feira passada.

O reordenamento econômico, porém, custou demissões, aumentou os preços dos alimentos e medicamentos, e foi um golpe nas tarifas dos serviços públicos devido à remoção dos subsídios — Milei congelou os fundos para os restaurantes e cozinhas comunitária, que fornecem mais de 100 refeições por dia. A pobreza alcança quase seis a cada 10 argentinos, e os cem dias do governo Milei foram marcados por manifestações em todo o país.

A inflação também segue a galope. Desde dezembro, quando o presidente Javier Milei assumiu, a fevereiro, a inflação acumulada superou 70%. Em 12 meses, ronda 280% após anos de aumentos de preços, o que leva a um contínuo colapso do poder de compra e portanto do consumo.

Ezequiel Adamovsky, historiador especializado no tema, explica que a classe média argentina está encolhendo há 50 anos e o país perde a base que antes o tornou próspero. A situação se agravou desde que Milei cortou subsídios ao transporte, combustível e taxas de serviços, eliminou normas que regulamentavam os contratos de locação e os preços do atendimento médico privado.

Tudo isso se somou ao golpe inflacionário causado por uma desvalorização de 50% a poucos dias de sua posse. Desde então, os salários perderam um quinto de seu poder aquisitivo (18%), em sua pior queda em 21 anos, segundo o índice oficial RIPTE.

— Os salários sofreram um queda inédita — disse Adamovsky. —Não havia uma queda tão rápida dos níveis salariais desde a época dos militares” (1976-1983).

Atualmente, a classe média “não é homogênea” mas um “conjunto de fragmentos, como os destroços de um naufrágio”, afirmou.

Agustina Bovi tem dois empregos, mas não pode gastar com esporte e lazer.

— Este é o melhor emprego no pior momento econômico — disse a cozinheira de 30 anos, que trabalha em um restaurante vegano com seis mesas em Buenos Aires.

Bovi tem outro trabalho noturno e, mesmo assim, seu salário não chega ao fim do mês porque não há clientela. O volume “de gente há três meses era o dobro de agora.”

— E isso é muito. Sentimos em nossos salários — afirmou. (Com AFP)

Fonte: O Globo

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