Burocracia trava acesso a recursos para combate a mudanças climáticas

Goulart, da CBN; Miccione, secretário estadual da Casa Civil do Rio; o prefeito Eduardo Paes; Rebelo, secretário municipal de Relações Internacionais de SP; e Braun, do Cenad
Goulart, da CBN; Miccione, secretário estadual da Casa Civil do Rio; o prefeito Eduardo Paes; Rebelo, secretário municipal de Relações Internacionais de SP; e Braun, do Cenad — Foto: Fabio Rossi / Agência O Globo

Cenários de desastres, como enchentes e deslizamentos, as cidades são a face mais visível das mudanças climáticas. Sistemas de sirenes, mapeamento de riscos, limpeza de vias e escoamento fluvial são medidas que podem evitar ou minimizar os impactos desses problemas, que se tornam cada vez mais frequentes. Esses esforços, porém, exigem recursos públicos e privados que, segundo autoridades, enfrentam uma série de amarras antes de chegar à ponta.

Representantes dos governos de Rio e São Paulo defendem a desburocratização de processos para que estados e municípios acessem verbas da União e de organismos multilaterais. Eles também se mostram favoráveis ao fortalecimento de Parcerias Público-Privadas (PPPs) para desenvolver projetos de gestão de riscos. Esse foi o consenso entre participantes do segundo seminário do projeto “G20 no Brasil”, iniciativa dos jornais O GLOBO e Valor e rádio CBN. O encontro, realizado na semana passada, discutiu como preparar as cidades para os desafios climáticos e a promoção do bem-estar dos cidadãos.

Os participantes alertaram sobre os riscos de não se investir em prevenção e mapeamento de possíveis desastres e alertaram que o caso do Rio Grande do Sul não é isolado. Por isso, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, pretende apresentar ao G20 proposta que facilite o crédito para investimento de municípios no combate às mudanças climáticas. A iniciativa é da Comissão Global para Finanças Urbanas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, presidida por ele, ao lado da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e o economista Jeffrey Sachs.

— A comissão pretende trazer para o G20 uma proposta para os municípios terem acesso mais facilitado a crédito internacional para fazer os investimentos necessários. A gente tem muito dinheiro no mundo, o problema é que os governos, responsáveis pela execução dessas políticas, não têm acesso a esse dinheiro — diz o prefeito.

A proposta será apresentada, em novembro, em momento próximo à cúpula dos chefes de Estado do G20, no Rio. Embora ainda esteja em desenvolvimento, fontes da prefeitura afirmam que a iniciativa vai propor juros mais baixos e mais prazo de pagamento para as prefeituras que investirem em adaptação, isto é, medidas para adequar as cidades às mudanças climáticas. Para viabilizá-la, integrantes da comissão copresidida por Paes têm conversado com representantes de bancos de desenvolvimento. O tema também foi discutido em encontro das instituições de fomento no Rio, realizado nesta semana, na sede do BNDES.

Parceria com setor privado

Outro caminho sugerido por Paes para promover medidas de prevenção de desastres é apostar em PPPs. O discurso vai na mesma linha do apresentado pelo secretário estadual da Casa Civil do Rio, Nicola Miccione, e por Aldo Rebelo, secretário municipal de Relações Internacionais de São Paulo.

— Investir em prevenção e infraestrutura, na cabeça de muita gente, dá prejuízo. Todo mundo sabe que os investimentos vêm sendo reduzidos. Mas o nosso papel é estar preparado para prevenir tragédias — diz Rebelo.

Miccione, por sua vez, disse que o engessamento do orçamento do Executivo — municipal, estadual e federal — deixa os gestores com pouca flexibilidade para despesas que não sejam obrigatórias, como salários, saúde e educação.

— O orçamento do Executivo é algo muito engessado. No fim das contas, tem-se, quando muito, até 5% do orçamento disponível (para prevenção). Há um desafio de como alocar recursos — afirma. — Se o poder público e o privado não derem as mãos, a relação será de perde-perde.

Em âmbito nacional, segundo levantamento da ONG Contas Abertas, R$ 2,6 bilhões do Orçamento da União previsto para 2024, de R$ 5,5 trilhões — menos de 0,1% do total — , são destinados a programas diretamente relacionadas à prevenção e recuperação de desastres. Desse montante, até o início deste mês, apenas 19% foram utilizados.

A organização mostra que, de 2010 até o ano passado, os recursos destinados ao combate às mudanças ambientais diminuíram. E mesmo os autorizados para a área não foram pagos integralmente: nos últimos 14 anos, dos cerca de R$ 69,6 bilhões separados para prevenção e recuperação de desastres, 65% foram de fato usados, isto é, R$ 45,3 bilhões.

Para Armin Augusto Braun, do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), vinculado ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, a incorporação dos conceitos de gestão de riscos em diferentes políticas públicas é mais importante do que ter recursos “carimbados” para prevenção.

— As políticas habitacionais devem dar preferência a quem vive em área de risco, assim como as políticas de drenagem devem priorizar obras que reduzam as inundações. Incorporar medidas de redução e gestão de risco é um avanço.

Segundo Braun, o Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil será mais uma ferramenta para desburocratizar a transferência de recursos.

— É uma ferramenta que em alguns meses já vai estar regulamentada e vai facilitar a transferência da União a estados e municípios.

Fonte: O Globo

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