Brumadinho se mobiliza para proteger nascentes da Serra da Moeda

Serra da Moeda
Serra da Moeda — Foto: Divulgação

Cinco anos após a tragédia da barragem da Mina Córrego do Feijão, a cidade mineira de Brumadinho se mobiliza para proteger a Serra da Moeda. Com dezenas de nascentes responsáveis pelo abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a serra tem sido alvo de investidas, desde projetos que tentam reduzir a área preservada para abrir mais espaço à mineração até empreendimentos que, segundo ambientalistas, ameaçam as reservas de água na região.

Com cerca de 50 km extensão, a Serra da Moeda começa em Nova Lima e atravessa oito municípios, com trechos de até 1.800 metros de altitude, até Jeceaba, nas proximidades de Congonhas. Formada principalmente pela formação Itabirito, ela funciona como esponja que absorve as águas da chuva e alimenta aquíferos e nascentes. Essas águas se dividem entre as bacias do Rio das Velhas e do Rio Paraopeba, que foi poluído na tragédia da Vale.

Segundo a advogada Beatriz Vignolo, voluntária da ONG Abrace, Brumadinho corre mais uma vez o risco de impactos ambientais devido a falhas em processos de licenciamento ambiental.

— Nossa água subterrânea é entregue ao setor privado sem saber qual a capacidade de atender as demandas. A mineração rebaixa o lençol freático e ameaça a recarga de aquíferos e outros projetos também consomem água da serra, com perfuração de poços, sem que sejam feitos estudos integrados — diz Beatriz.

Na prática, os empreendimentos são avaliados individualmente, sem que o impacto do conjunto deles seja analisado. Na avaliação da advogada, a única forma de proteger as nascentes é ampliar a unidade de conservação para toda a Serra da Moeda, seja por iniciativa estadual ou do governo federal.

A Serra da Moeda é parcialmente protegida. O modelo é de Monumento Natural, unidades de conservação que protegem áreas de rara beleza cênica e de biodiversidade. Há um Monumento Natural estadual, de 2.372 hectares, entre os municípios de Moeda e Itabirito, e 500 hectares do Monumento Natural Municipal da Mãe D’água, em Brumadinho. Apenas a área de proteção de Brumadinho, segundo a ONG, reúne 31 nascentes de água.

A principal preocupação da ONG hoje é a reativação da Mina da Serrinha, adquirida em 2019 pela Vale. Um projeto de 2008, feito pelo antigo proprietário, a Ferrous, prevê a exploração de 12 milhões de toneladas de minério de ferro por ano com a extensão da cava.

Beatriz afirma que o rebaixamento do lençol freático seria inevitável para a operação. Hoje, segundo ela, a mineradora está reprocessando pilhas de rejeitos abandonadas desde a década de 80. E 37 carretas de minério de ferro cruzam a cidade de Brumadinho diariamente.

A ONG afirma que uma fábrica da Coca-Cola, instalada em 2015, utiliza água de poços abertos na Serra da Moeda, que será ainda a responsável pelo abastecimento de água de um megaempreendimento imobiliário de alto luxo realizado pela CSul no entorno da Lagoa dos Ingleses, um adensamento humano projetado para quase 200 mil pessoas.

Segundo o geólogo Ronald Fleischer, a falta de estudos prévios sobre a situação primitiva do lençol freático da Serra da Moeda dificulta a análise dos impactos causados pelos empreendimentos, individualmente ou somados.

Na época em que foram abertas as minas sequer eram feitos estudos ambientais. Fleischer afirma que a fábrica de bebidas instalada em Itabirito não teve análises prévias de uso de água subterrânea, já que os estudos de impacto ambiental do distrito industrial do município não previam a instalação deste tipo de empreendimento.

— Depois da abertura da fábrica de bebidas secaram as nascentes de Campinho e Suzano, que são dois povoados de Brumadinho. Os estudos da Coca-Cola chegaram à conclusão que o bombeamento de água de seus poços não afetava as nascentes e que o problema havia sido a redução das chuvas ocorrida entre 2012 e 2015. Ou seja, uma coincidência — diz o geólogo, acrescentando que as duas comunidades são abastecidas hoje por caminhões-pipa.

Fleischer afirma que o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), da Universidade de São Paulo, fez dois estudos sobre o tema. No primeiro, a conclusão seguiu a da Coca-Cola. No segundo, concluiu que houve impacto dos poços nas nascentes.

— É complexo, um imbróglio — resume.

O geólogo afirma que as autoridades não exigem estudos detalhados dos empreendedores. Segundo ele, a ONG entrou com ação contra o empreendimento imobiliário CSul para que fosse obrigatório o estudo hidrogeológico.

— Foi instalado um piezômetro, mas ninguém foi olhar onde ele foi instalado. Colocaram a 10 metros dos poços e do lado oposto ao das nascentes. Ou seja, não vai indicar nada. É incompreensível – diz Fleischer.

Piezômetro é que um tubo inserido na terra, por meio de furo, usado para monitorar níveis da água no aquífero.

O geólogo afirma que o empreendimento imobiliário optou por fazer o licenciamento ambiental por fase de desenvolvimento. Na primeira delas, de quatro anos, a previsão é reunir 75 mil moradores. A expectativa, porém, é dobrar esse número.

— Na primeira fase o empreendimento será abastecido. Nas demais vai precisar retirar água num raio de 40 km, com represamento de rios e bombeamento – explica.

Fleischer diz que da forma como os estudos são conduzidos, individualmente, é impossível avaliar como as nascentes serão afetadas em seu conjunto. As águas que nascem a oeste da Serra da Moeda abastecem o Rio Paraopeba, que foi poluído com o desastre da Vale. A leste, abastecem o Rio das Velhas.

— O licenciamento ambiental, feito dessa forma, é um cheque em branco. Parece que não aprendemos nada com o desastre de Brumadinho — diz ele.

A ONG Abrace realiza neste domingo (21), dia de Tiradentes, um abraço à Serra da Moeda. A manifestação é realizada há 17 anos no local conhecido como Topo do Mundo, uma rampa de voo livre que se abre para uma paisagem exuberante. O objetivo, mais uma vez, é chamar a atenção das autoridades para a necessidade de preservação dos recursos hídricos e nascentes da região.

Fonte: O Globo

© 2024 Blog do Marcos Dantas. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.