Brasil tem menos nascimentos e mortes, casamentos ‘enxutos’ e mais divórcios, segundo o IBGE

Imagem ilustrativa: casamentos civis
Imagem ilustrativa: casamentos civis — Foto: Márcia Foletto / Agência Globo

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, nesta quarta-feira (27), a última Pesquisa de Estatísticas do Registro Civil, referente ao ano de 2022. O estudo, destacam os pesquisadores, serve como um importante instrumento de acompanhamento da evolução populacional brasileira, possível parâmetro para estratégias de implementação de políticas públicas e, também, como um retrato aprofundado das mudanças nos aspectos sociais ao longo dos anos. São levantadas informações sobre nascimentos, casamentos civis, divórcios e mortes.

Os dados indicam uma queda considerável no número de nascimentos registrados em relação ao ano anterior (-11%), ao mesmo tempo em que mostram uma sociedade que tem se apressado cada vez menos para casar ou ter filhos. O crescimento contínuo dos matrimônios entre pessoas do mesmo sexo e o aumento igualmente vertical de guardas compartilhadas após as separações também destacam a efetividade na aplicação de leis compatíveis com as demandas sociais. As mortes registradas no país, por sua vez, demonstram uma queda de 16% em comparação com 2021; enquanto os mais velhos estão morrendo menos, em contrapartida, há aumento no número de óbitos de crianças de 0 a 14 anos — grande parte ainda provocada por doenças respiratórias.

O estudo leva em consideração dados levantados em todo o ano de 2022 e no primeiro trimestre de 2023 — visando englobar registros possivelmente represados. As informações são obtidas através de cartórios (7.282), tabelionatos (7.792) e varas de justiça (4.653) espalhados por todo o país.

A pesquisa mostra que, em 2022, ao todo 2.542.298 nascimentos foram registrados no Brasil — 93,5 mil a menos que em 2021 (-3,5%) e 308 mil registros abaixo da média anual registrada entre 2010 a 2019, de 2.850.430 (-10,8%). Todas as cinco regiões do país apresentaram queda de natalidade no período, com destaque para o Nordeste (-6,7%), Norte (-3,8%) e Sudeste (-2,6%). Paraíba, Maranhão, Sergipe e Rio Grande do Norte puxam a fila, enquanto São Paulo foi disparado o estado em que mais crianças foram registradas: 512.611 (20% do total). A gerente de pesquisa do IBGE, Klivia Brayner de Oliveira, explica que a queda de nascimentos é uma tendência histórica, que vem desde os anos 1970, quando o estudo começou a ser feito.

— Entendo que a nossa pesquisa retrata as mudanças na sociedade, de valores e comportamento. A queda no número de nascimentos, número de filhos por família, são dados que só confirmam tendências que a gente já observa, como por exemplo o empoderamento da mulher, que, já há anos, passa a estudar, entrar no mercado de trabalho, a ter maior aceitação ao não priorizar filhos e casamento — analisa. — Nós observamos um fenômeno de menos pessoas querendo ter filhos, são números que vêm diminuindo ano a ano, com uma oscilação ou outra, desde os anos 1970. E, naquela época, os números ainda eram bem subnotificados, já que muitas crianças não eram registradas. Hoje em dia, essa base de dados já retrata com bastante precisão o número de bebês que nasceram no país.

A pesquisadora explica ainda que o saldo entre a queda no número de nascimentos e o aumento da população idosa, que vem morrendo menos, tende inclusive a impactar o INSS, já que, teoricamente, poderá haver menos gente contribuindo para o fundo de aposentadoria a longo prazo.

Outro dado importante retratado no estudo e que diz respeito à natalidade é sobre a idade em que as mulheres estão tendo seus filhos. Em 2000, 21% das mães que registraram seus filhos recém-nascidos eram jovens ou adolescentes: tinham 20 anos ou menos. Em 2010, esse número já caiu para 18,5%; na última pesquisa, que diz respeito ao ano de 2022, o percentual apresentado já é de apenas 12% do total. E a tendência também vem diminuindo entre as mães de 20 a 29 anos: elas ainda representam a maioria, mas se eram 54,5% do total em 2000, esse número caiu para 49%. Em contrapartida, mães com 30 anos ou mais hoje representam quase 40% do total. De 22% em 2000, as mulheres de 30 a 39 anos passaram a representar 34,5% em 2022; as com 40 anos ou mais subiram, no mesmo período, de 2% para 4%.

A carioca Priscila Cavalcanti de Souza teve sua primeira filha aos 40 anos de idade em 2014, quando esta tendência já crescia em relação aos anos 2000. Ela, que hoje trabalha em uma corporação internacional, conta que sempre teve vontade de ter filhos, mas o foco na carreira e na vida pessoal acabaram prevalecendo. Quando conheceu o atual marido e eles, estabilizados, passaram a viver juntos, e ela decidiu que aquela era a hora de engravidar.

— Eu sempre tive uma vida muito focada e dedicada no trabalho, com muitas mudanças de cidade ao longo da minha jornada na empresa. Sempre gostei muito de criança e achava que queria ter filho, mas não tinha aquela paranoia de ter a qualquer custo — conta, e avalia. — Hoje, muitas mulheres, assim como eu fiz, têm focado mais na carreira e como consequência acabam engravidando mais tarde. Vejo também muitas amigas com filhos únicos.

Os dados do IBGE também ilustram um raio-X dos matrimônios no país. Ao todo, foram registrados 970.041 casamentos em 2022, número 4% maior que no ano anterior, o que confirma uma retomada pós-pandemia, mas ainda mantém o número abaixo da média de 1.076.280 registrada entre 2015 e 2019. Desses casamentos, 11.022 foram firmados entre pessoas consideradas do mesmo sexo — um aumento de 20% na comparação com 2021.

— Os dados retratam as mudanças na sociedade e também de legislação. A resolução do CNJ, desde 2013, proíbe que os cartórios impeçam o casamento ou união estável de pessoas do mesmo sexo. Antes, alguns faziam e outros se recusavam. A partir da resolução, não podiam mais recusar, e nós começamos a coletar essas informações. São pessoas que querem assumir seus relacionamentos, agora encontram apoio na legislação e a tendência é de que esse número continue crescendo nos próximos anos — comenta Klivia.

Segundo a pesquisa, o tempo médio dos casamentos no país caiu de 15,9 anos, em 2010, para 13,8 anos, em 2022. Entre os casais de sexos opostos, a média de idade dos cônjuges aumentou consideravelmente. Se em 2010 os casamentos eram firmados em média entre homens de 29 anos e mulheres de 26, agora essa média sobe para homens com 31 anos e mulheres com 29.

O aumento da idade média dos noivos também acompanha outro dado curioso presente na pesquisa: o número de cônjuges que se casaram solteiros, apesar de ainda ser maioria (69% do total), teve uma queda e agora figura bem abaixo dos 86,7% de 2002 e 78,2% de 2012. Em contrapartida, se em 2002 os noivos já divorciados ou viúvos representavam apenas 12,8% do total, o número subiu para 21,4% em 2012, e agora já chega a 30,4% em 2022 — nestes casos, as mulheres têm uma idade média de 41 anos e, o homem, de 45.

A Isabel Turchetti, moradora de Vitória, capital do Espírito Santo, se casou pela primeira vez com 27 anos, em 1994. Se divorciou e voltou a casar pela segunda com 37 anos, em 2004. Seguiu o que passou a ser tendência hoje. Ela, que na época se sentia como um peixe fora d’água, agora observa que os tempos são outros e faz uma comparação entre os períodos.

— Na época, casar no papel era muito importante para a família, mas socialmente era o lado religioso que tinha um grande peso — relembra. — O meu divórcio, em 2001, foi uma destruição de um sonho. A pior assinatura que já dei na minha vida. Mas, três anos depois, eu me casei de novo no papel e a experiência foi totalmente diferente. Por exemplo, eu não podia casar na igreja de novo, por conta da minha formação católica.

Ela conta que, com a nova união, a família só cresceu. Isso porque ambos eram separados e tinham filhos pequenos — outra tendência que é observada na sociedade brasileira hoje.

— Casei no papel, tendo dois filhos meus, três filhos dele, parecia que estávamos abrindo uma empresa (risos). E tudo aquilo tinha uma conotação bem diferente do primeiro casamento. A gente acha que não vai mais amar e casar com ninguém, que “Deus me livr” de alguém ter contato com meus filhos pequenos”. Mas posso afirmar que tenho amigas que passaram pelo mesmo sentimento. Acabar o primeiro foi muito traumático, mas tomar a atitude de casar de novo foi sensato.

A pesquisa aponta que foram registrados 420.039 divórcios no Brasil em 2022 — número 8,6% acima dos 386.813 de 2021. E se é notado um aumento no número de pessoas com mais de 30 anos que se casaram, também cresce a média de idade entre aqueles que se separaram. Na data dos divórcios, em média, os homens tinham 44 anos (contra média de 42 anos em 2010) e, as mulheres, 41 (contra média 39 anos em 2010), quando assinaram o documento.

De acordo com o IBGE, entre 2010 e 2022, disparou também o número de divórcios ocorridos com 10 anos ou menos de matrimônio. Se em 2010 essa média era de 37,4% dos casos, agora subiu para 47,7% — a maior parcela. Separações aconteceram com 10 a 19 anos de casamento em 25,9% dos casos, e com 20 anos ou mais em 26,4%.

O estudo revela que 33% dos divórcios não ocorrem de maneira consensual entre as partes — 114 mil num universo de cerca de 340 mil no total. Nestes casos, a maioria dos pedidos de separação parte da mulher (60% deles). Os registros apontam ainda que 90,6% dos divórcios acontecem com comunhão parcial de bens; 5,1% em comunhão universal; e 4,3% em separação total.

Em 47% das separações registradas os casais possuem filhos menores de idade; 29,4% não têm filhos; 15,8% possuem filhos maiores de idade; e 7,2% têm filhos maiores e menores de idade. E há impacto direto em relação a esses filhos pequenos no que diz respeito à guarda de menores, que vem mudando de figura desde 2014, quando a guarda compartilhada passou a ser prioridade aos olhos da Justiça. Se no ano de 2014 em 85,1% dos casos de separação as crianças ficavam com a mãe, esse número foi despencando ano a ano até chegar em 50,3% em 2022, ao mesmo tempo em que a porcentagem de 7,5% dos casos de guarda compartilhada em 2014 foram escalando anualmente até alcançar os 37,8% nesta última pesquisa, em 2022.

— Está muito mais fácil se divorciar hoje em dia, por mudanças na legislação. Pode ser feito num tabelionato, por exemplo, sem envolver filhos, se ambos estiverem de acordo, e o número de separações naturalmente cresce. Há ainda a questão da priorização da separação com guarda compartilhada, que é essa responsabilização dividida entre o casal em relação aos filhos, e o que vemos nos números é que a guarda compartilhada tem crescido ano a ano — acrescenta a pesquisadora.

Por fim, a pesquisa fala também sobre os óbitos registrados em todo o país entre 2022 e o primeiro trimestre de 2023. De acordo com o levantamento, as mortes caíram em 15,8% em relação a 2021, quando a pandemia da Covid-19 ainda estava no ápice, mas, apesar da primeira queda no índice pelo menos desde 2010, o número ainda é considerado alto pelos especialistas. Ao todo, houve registro de 1.504.763 mortes ocorridas em 2022 — contra 1.786.347 no ano anterior.

A maioria das mortes (90,7%) se deu por causas naturais, mas os pesquisadores atentam para a possibilidade de subnotificação de óbitos por causas consideradas externas — como violência urbana ou acidentes, por exemplo —, sobretudo no Rio de Janeiro e na Bahia, onde eles afirmam que houve grande dificuldade para obter informações especificadas. No geral, a maioria dos óbitos são de homens (uma proporção de 121 óbitos masculinos para 100 femininos), mas no recorte a partir dos 80 anos, as mulheres morrem mais (100 óbitos para cada 63 masculinos). O maior contraste entre os sexos ocorre na faixa etária entre 20 a 24 anos, em que os homens morrem cerca de quatro vezes mais que as mulheres: proporção de 401 mortes masculinas para 100 femininas.

Chama atenção dos pesquisadores no levantamento o aumento nas mortes de crianças de 0 a 14 anos, únicas faixas etárias na contramão da queda no número de óbitos. Entre meninos e meninas de 1 a 4 anos, houve um aumento expressivo de 27,7% nas mortes; de 5 a 9 anos, o crescimento foi de 19,3%. A pesquisadora revela que, com base em informações do Ministério da Saúde, grande parte desses óbitos se deu por conta de doenças respiratórias. No entanto, surpreende essa alta logo no período posterior ao pior momento da pandemia.

— Chamou muito a atenção da gente, apesar de os números de forma absoluta não serem tão grandes assim em relação às outras idades, mas de fato houve um movimento na contramão dos outros grupos. É um bom material para que médicos e cientistas da área possam fazer estudos voltados para isso — comenta. — O único lugar onde não houve aumento de óbitos infantis foi o Rio Grande do Sul. Temos um convênio com uma base de dados do Ministério da Saúde que nos permitiu verificar que muitos desses óbitos estão relacionados a doenças respiratórias.

Fonte: O Globo

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