Brasil tem 106,8 milhões de endereços, um aumento de 19,5% em relação ao Censo anterior, mostra IBGE

Servidores do IBGE na comunidade Pedra Branca, em Uiramutã
Servidores do IBGE na comunidade Pedra Branca, em Uiramutã — Foto: Samantha Rufino/g1 RR

Novos dados do Censo 2022, revelados nesta sexta pelo IBGE, mostram mais características sobre as cidades e condições de vida dos brasileiros. O Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) registrou 106,8 milhões de endereços no Brasil, número 19,5% maior que a lista do Censo anterior. A estatística mostra que os nomes religiosos, como homenagens a santos, são a maioria entre as nomenclaturas de ruas e avenidas, e que quase um quarto dos endereços não possui número, o que acende o alerta sobre a alta informalidade das ocupações. O levantamento, destacou o IBGE, serve para auxiliar planejamentos urbanos, desde planos de mobilidade a distribuição de estabelecimentos públicos, e também é essencial para momentos de emergência, como as enchentes no Rio Grande do Sul, ao disponibilizar informações sobre localizações de residências da população.

Elaborado em 2005, o Cadastro de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE) criou um padrão de registro de endereços. Desde a década passada — considerando o Censo de 2010 e atualizações em anos seguintes — houve a inclusão de 34 milhões de novos endereços e a exclusão de 16,5 milhões da base antiga. Assim, o CNEFE saltou de 89,3 para 106,8 milhões de endereços. A maior parte (90,6 milhões) se trata de domicílios particulares. Há ainda 4 milhões de estabelecimentos agropecuários, 579 mil religiosos, 264 mil de ensino e 247 mil de saúde.

As casas (14,7 milhões) ainda superam os apartamentos (13,5 milhões). Durante a coleta do Censo 2022, o país tinha 3,5 milhões de edificações em construção ou reforma: 605,2 mil estavam no estado de São Paulo.

Os nomes dos endereços explicam, em boa parte, o processo de formação do país. A maioria das nomenclaturas é de cunho religioso: existem 4,3 milhões de endereços em logradouros batizados de “São”, “Santa”, “Santo” ou “Padre”. São José e Santo Antônio são os mais usados. Políticos também têm bastante recorrência, como 483 mil em logradouros de “Presidente” e 447 mil em localizações batizadas de algum “Vereador”. Outro cargo com bastante aparição é “Doutor”: 1,6 milhão

E os endereços em locais com nomes de “Professor” superam os de “Coronel”: 641 mil a 640 mil. Esses cargos ditos “formais”, que continuam importantes hoje em dia, eram ainda mais poderosos nos séculos XIX e XX, quando se intensificou a expansão urbana. Assim, esses acabaram eternizados nas placas que vemos hoje em dia. As datas festivas também são muito usadas. Há, por exemplo, 181 mil endereços registrados em algum “Sete de Setembro”, data da independência do Brasil.

— A abundância dos nomes de santos tem muito a ver com a própria religiosidade da história brasileira. Temos uma tradição eminentemente católica. Por isso, homenagear santos fazia parte de ritual, quase uma rotina, tanto para nomear filhos como para cidades e ruas. As primeiras cidades da Colônia também são referências a santos e heróis bíblicos — explica Gisele Thiel, mestre em História do Brasil e professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário UniDomBosco.

Com o passar do tempo, explica a professora, os nomes bíblicos passaram a ter companhia de nomenclaturas de figuras heroicas, dentro do processo republicano, e muito relacionadas à presença militar, ou datas cívicas e políticos.

— As grandes avenidas ou ruas em áreas nobres homenageiam heróis históricos, eventos ou cargos políticos. Em quase toda capital há uma avenida Presidente Vargas, por exemplo. E em Ipanema (Zona Sul do Rio), uma das ruas mais nobres homenageia Maria Quitéria, que foi heroína da Independência. Já nas periferias os nomes são mais regionais, como pessoas públicas daquela localidade, professores e vereadores. Sai mais dessa questão nacional.

O CNEFE também evidenciou um pouco mais da realidade urbanística brasileira e as condições de vida nas habitações. Quase um quarto dos endereços do país, por exemplo, não tem número: são 24,4 milhões de localizações sem identificação numérica, ou 22,8% do total. Para especialistas, essa taxa dialoga, principalmente, com a alta informalidade entre as ocupações. O arquiteto e urbanista Carlos Murdoch, coordenador da Universidade Veiga de Almeida, lembra que essa proporção é quase a mesma da população que habita em favelas na cidade do Rio (um entre cada cinco cariocas.

— É um reflexo direto de diversas gestões municipais que, por má-fé ou pura incompetência, nunca consideraram a questão habitacional para a classe de trabalhadores menos abastados. Então, alguns territórios próximos aos pontos de concentração econômica se transformarão em grandes conglomerados informais, e repetem a lógica do sistema imobiliário formal. Estas regiões “não oficiais” da cidade sempre estiveram à margem do poder público — explica Murdoch. — Neste momento enfrentamos um grande desafio que se torna cada vez mais difícil de se confrontar, que é a retomada destes territórios através da formalização urbana jurídica e social.

Além dos 24,4 milhões de endereços sem número, há 5,1 milhões que usam algum “sistema alternativo” para identificar a residência ou estabelecimento, que são casos onde a identificação não foi registrada pela prefeitura, mas foi instituída por alguma instituição reconhecida, desde agentes de saúde a associações de moradores, e pode ser, além de números, alguma letra ou um nome. Ainda há outros 438 mil endereços do país usam a quilometragem na via como referência de identificação.

Outro dado que chama a atenção é a alta incidência de endereços dentro de condomínios: 13,3 milhões (12,4% do total). Thiel e Murdoch destacam que uma das explicações é a sensação de insegurança nas cidades, em especial nas metrópoles, o que leva parte da população a buscar residências em condomínios, onde em muitos casos existe segurança privada.

Murdoch acrescenta ao fenômeno outros fatores, como a maior facilidade de uma expansão horizontal do que vertical nas cidades.

— É inegável que a opção rodoviarista do Brasil pós 1950 e o apelo do “American Way of Life”, com a vida de subúrbio, casas sem muro e grandes carros na garagem foram extremamente atraentes para a classe média da segunda metade do século XX. Lembrando que quanto mais distante dos grandes centros, maior a necessidade de proteção e gestão de serviços, o que nos leva diretamente a estruturação dos condomínios em regiões de expansão das cidades — explica o especialista, crítico da formação de “bolhas” sem conexão direta com a cidade. — Uma contradição que explica o choque social e cultural que hoje atravessamos.

Ainda há outros 438 mil endereços do país usam a quilometragem na via como referência de identificação. Outro dado que chama a atenção é a alta incidência de endereços dentro de condomínios: 13,3 milhões (12,4% do total).

Além de estruturas amostras de pesquisas domiciliares e auxiliar em planejamentos urbanos, aprimoramento de políticas públicas e padrões de ocupação, o CNEFE teve papel importante no enfrentamento de calamidades, como os ocorridos em Alagoas e Pernambuco, em 2010, em Brumadinho (MG), em 2019, e em São Sebastião (SP) no ano passado. Durante as recentes enchentes do Rio Grande do Sul, por exemplo, o cadastro serviu como referência para localizar endereços na área alagada de Lajeado (RS). Assim, foi possível levantar quantos eram domicílios particulares, estabelecimentos de saúde ou prédios desocupados.

Fonte: O Globo

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