O Brasil colocou na pauta do G20 a Iniciativa de Bioeconomia e trabalha para que o tema faça parte da declaração final da reunião de líderes do grupo, em novembro deste ano, no Rio. Um dos principais argumentos é que o aquecimento global e o esgotamento do planeta requerem que a humanidade repense as relações econômicas.
De forma geral, a bioeconomia pode ser entendida como um modelo de desenvolvimento baseado no conhecimento, que engloba novas tecnologias, como os nanomateriais de base biológica, mas também tecnologias antigas e conhecimentos tradicionais, como a utilização e a gestão dos ecossistemas e das espécies da biodiversidade. Embora o termo tenha sido cunhado no fim da década de 1960, não existe, hoje, um conceito acordado multilateralmente.
O secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, André Corrêa do Lago, destaca que é a primeira vez que o tema bioeconomia é debatido em um foro multilateral exclusivo. Ele afirma que a iniciativa foi bem recebida pelos países do G20, que é presidido pelo Brasil até o fim de 2024.
— A bioeconomia constitui um instrumento poderoso para a promoção da sustentabilidade em todos os países, independentemente da biodiversidade presente nos seus territórios. Envolve desde o uso sustentável de produtos até biocombustíveis e bioenergia – diz o embaixador.
Ele afirma que, ao propor a introdução do tema, o Brasil busca explorar não só o potencial bioeconômico do país, que, se desenvolvido, pode gerar até US$ 500 bilhões ao país por ano. Ao mesmo tempo, o país reforça seu papel de liderança diplomática no cenário internacional, para se colocar na vanguarda do desenvolvimento sustentável.
Para os negociadores brasileiros, a bioeconomia deve ser um instrumento para a promoção da sustentabilidade em todos os países, independentemente da biodiversidade presente nos seus territórios. É um tema obrigatório em meio debates universais, como a transição energética.
Carina Pimenta, secretária de Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente, afirma que o Brasil acertou ao propor esse diálogo mundial sobre o tema. Ela lembra que não há fóruns internacionais onde se discuta a bioeconomia e sua relação com as rotas de desenvolvimento sustentável e ressalta que o pano de fundo é fazer com que os países pensem em uma economia que valorize os ativos naturais.
— Essa iniciativa recebeu um retorno bastante favorável dos demais países. Muitos deles já possuem políticas e visões estruturadas. Outros não, mas estão interessados em conhecer o que é bioeconomia — diz a secretária.
No texto final da cúpula de líderes do G20, o Brasil defende uma reflexão sobre os princípios orientadores da bioeconomia. São diretrizes que podem influenciar mecanismos de financiamento multilaterais de apoio à proteção do meio ambiente e à sustentabilidade.
— Também estamos fazendo essa discussão dentro do Brasil, que é um país florestal e megadiverso. Um dos eixos é o uso sustentável da biodiversidade, que permeia vários setores econômicos – afirma Carina Pimenta.
A expectativa é que os debates ao longo do ano serão sobre três eixos: o papel da ciência, tecnologia, pesquisa, inovação e conhecimento tradicional para a bioeconomia; o uso sustentável da biodiversidade para a bioeconomia; e a bioeconomia como promotora do desenvolvimento sustentável sob os pontos de vista social, econômico e ambiental.
— Vamos rapidamente desenvolver uma inovadora bioeconomia baseada na sociobiodiversidade, que protegerá todos nossos biomas, principalmente a floresta Amazônica, que está na beira de um ponto de não-retorno — ressalta Carlos Nobre, cientista, climatologista, pesquisador colaborador do Instituto de Estudos Avançados da USP e co-presidente do Painel Científico para a Amazônia.
Ele defende uma sóciobioeconomia de “saudáveis florestas em pé e rios fluindo”. Afirma que o Brasil tem a maior biodiversidade da Terra e toda condição de combinar ciência com os conhecimentos dos povos indígenas e comunidades locais, para as inovações tecnológicas.
— Esta nova bioeconomia baseada na sociobiodiversidade protege todos os biomas com sua imensa diversidade de espécies e combate a emergência climática, removendo muito gás carbônico da atmosfera – diz Nobre.
Patrícia Gomes, gestora da Rede Origens Brasil, administrada pelo Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), ressalta que a discussão sobre economia deve envolver as pessoas que precisam da natureza para sobreviver, como os povos indígenas. Para ela, trata-se de um conceito que precisa ir além de um sistema econômico que usa bens biológicos.
— O Brasil parece que ainda não compreendeu o potencial competitivo único que tem. Tem a maior floresta do mundo e uma das maiores diversidades do planeta. Para melhorar a vida das pessoas é preciso estímulos à produção e medidas como o acesso ao crédito — diz.
Diretora para Políticas Públicas na The Nature Conservancy (TNC) Brasil, Karen Oliveira afirma que, no Brasil, a bioeconomia está intrinsecamente ligada à conservação da biodiversidade e ao uso responsável dos recursos naturais. Isso gera oportunidades únicas para o desenvolvimento sustentável do país.
— A adoção da bioeconomia pelo G20 permite entre seus membros um conjunto de princípios que poderão promover um modelo de produção e consumo que valoriza o uso de recursos da biodiversidade para produzir bens, serviços e energia, buscando garantir a conservação da biodiversidade, a geração de emprego e renda e ao mesmo tempo incrementando a produção sustentável.
Miguel Scarcello, secretário-geral da Fundação SOS Amazônia, destaca a importância da proposta brasileira, que poderia ter como consequência a abertura de novos mercados. Ele defende que os negócios que envolvam produtos da biodiversidade amazônica incluam custos de serviços ambientais.
— A agregação desse valor seria um reconhecimento da importância do trabalho das pessoas, ou da existência desses produtos na floresta. É um aspecto que poderíamos levar em conta — afirma Scarcello.
Fonte: O Globo