Brasil aposta em aliança global para produção de vacinas e enfrentamento de pandemias no G20

Aliança para produção de vacinas é proposta principal do Brasil para o G20 em saúde
Aliança para produção de vacinas é proposta principal do Brasil para o G20 em saúde — Foto: FreePik

Equidade a nível global, eficácia na resposta a emergências sanitárias, expansão da telessaúde e a discussão do impacto das mudanças climáticas na população são os pilares da agenda brasileira em saúde para o G20, grupo das vinte maiores economias do mundo e cuja presidência rotativa foi assumida pelo Brasil em dezembro passado. Com base nessas prioridades e sob o guarda-chuva do tema de “Sistemas de Saúde Resilientes”, uma das principais apostas do Brasil é a criação de uma aliança global para a produção de insumos, medicamentos e vacinas, sobretudo após a pandemia de Covid-19 ter evidenciado as desigualdades nos sistemas de saúde ao redor do mundo.

Segundo o Ministério da Saúde (MS), que lidera os debates, os três primeiros temas já faziam parte da agenda internacional desde que o Grupo de Trabalho (GT) foi criado, em 2017, durante a presidência alemã do G20, em resposta à crescente necessidade de uma abordagem coordenada entre os países-membros do grupo para lidar com os desafios de saúde pública em escala internacional. Também estão alinhados com a agenda de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), a ser cumprida até 2030.

Foi somente sob a presidência do Brasil, entretanto, que a questão climática, com a perspectiva de adaptação dos sistemas de saúde, passou pela primeira vez a ser central nos diálogos, uma vez que se interconecta diretamente com os outros eixos prioritários.

“Países mais pobres são desproporcionalmente afetados pelas crises de saúde. A maioria dessas prioridades estava sendo construída pelas presidências anteriores. Ainda que vejamos essa continuidade, daremos ênfase diferenciada nas necessidades específicas dos países em desenvolvimento e nas instâncias de governança global de saúde”, explicou a ministra Nísia Trindade em comunicado sobre as ações do Brasil que integram a trilha de sherpas em saúde.

Um dos principais focos para o GT de Saúde é a formação da chamada Aliança para a Produção Regional e Inovação, visando a produção descentralizada de medicamentos, vacinas e diagnósticos, especialmente para doenças socialmente determinadas que acometem países do Sul Global, como dengue e malária. Segundo o ministério, a ideia é corrigir uma falha de mercado para o desenvolvimento de produtos inovadores de combate e prevenção a essas doenças, que ainda não recebem um investimento suficientemente amplo.

A dependência dos poucos produtores de insumos farmacêuticos ficou evidente durante a pandemia de Covid-19. Sem uma arquitetura global preparada para responder a uma emergência sanitária em grande escala, a propriedade intelectual para a produção de insumos das vacinas — o que inclui informações sobre a tecnologia de fabricação, formulações específicas e metodologia — ficou nas mãos de poucos países, como por exemplo os Estados Unidos (com a Pfizer e Moderna), o Reino Unido (com a Astrazeneca/Oxford) e a China (com a Sinovac).

— Há adesão à ideia de que nós precisamos de esquemas para diversificação da produção, para aumento da produção de remédios e vacinas de material de diagnóstico. O campo está bastante fértil para avançar nessa iniciativa — disse o embaixador do GT de Saúde, Alexandre Ghisleni, após a primeira reunião do grupo sobre o tema, em fevereiro.

O assunto foi novamente discutido na primeira quinzena de março, em uma reunião virtual dos ministros da Saúde do G20, coordenada pela ministra Nísia e com a participação do diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom. Espera-se que a aliança seja aprovada na cúpula com outros ministros, que ocorrerá em 31 de outubro, no Rio de Janeiro.

— A propriedade intelectual é um tema que ficou muito quente durante a pandemia de Covid-19. A China, que é um grande produtor de insumos, chegou a decretar que a vacina seria um bem público, mas esse debate precisa ser levado adiante — diz a médica especialista em saúde pública e professora da UFRJ, Ligia Bahia. — Não dá mais para só alguns países serem detentores do conhecimento para a produção de insumos e o resto do mundo ficar dependente disso.

Para o diretor do Centro de Relações Internacionais da Fiocruz, Paulo Buss, o tema da produção local deve ser discutido com ainda mais contundência, já que, como alerta a comunidade científica, é questão de tempo até a próxima pandemia (chamada por muitos de “doença X”).

— Não sabemos se será um vírus, e se sim, se será novamente um Sars-Cov — explica. — O fato é que já deveria ter começado o compromisso de transferência da tecnologia de vacinas de RNA-mensageiro [como a Pfizer], que também pode ser utilizada para o combate de outras doenças. Não é fácil porque há muita resistência da indústria farmacêutica e é preciso que os países onde essas empresas estão sejam firmes para permitir que isso aconteça.

A proposta de um protocolo global de resposta a emergências sanitárias incide diretamente no tema da equidade em saúde, eixo transversal de todas as prioridades definidas pelo GT. O objetivo é promover o acesso e integração em escala mundial à saúde, algo fundamental para a redução das desigualdades — que, por sua vez, é uma das três bandeiras centrais do Brasil no G20, juntamente com o combate à fome e à pobreza.

Além do foco em inovações em saúde digital acessível e ampliada, a premissa nas discussões é ter o Sistema Único de Saúde (SUS) como um modelo para outros países, devido à alta capacidade de capilarização em assistência a toda a população brasileira.

— O SUS tem para oferecer como experiência positiva o fato de que somos capazes de nos articular em comunidades com muita rapidez — diz Ligia. — Não pudemos fazer isso durante a pandemia de Covid-19 sob o governo Bolsonaro, mas fizemos isso com a epidemia de Aids [na década de 1980], por exemplo, e fomos muito bem sucedidos. O SUS tem um conjunto de unidades básicas e uma tecnologia social de mobilização exemplar.

Estreante no escopo de prioridades do GT de Saúde do G20, a questão das mudanças climáticas está inerentemente ligada aos outros debates postos em pauta pelo Brasil, podendo afetar a distribuição e a prevalência de doenças infecciosas em regiões mais vulneráveis, além de estar associada à exacerbação de condições médicas já preexistentes.

Para o pesquisador do Observatório do Clima e Saúde, Christovam Barcellos, as mudanças são globais e devem ser tratadas como tal, com a articulação de países, entidades, associações da sociedade civil e agências internacionais.

— Não é a temperatura em si, são também os eventos climáticos derivados do aumento de temperatura, eventos climáticos extremos, como furacões, ventos, secas, inundações — explica. — É urgente monitorarmos a evolução de doenças sensíveis ao clima, bem como a capacidade de resposta dos sistemas de saúde à crise.

Fonte: O Globo

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