Blindados da Revolução dos Cravos, em 1974, são restaurados para aniversário da data em Portugal

O técnico da Associação Portuguesa de Antigos Veículos Militares Antonio Carvalho conduz o veículo militar Chaimite restaurado para os 50 anos da revolução portuguesa de 25 de abril
O técnico da Associação Portuguesa de Antigos Veículos Militares Antonio Carvalho conduz o veículo militar Chaimite restaurado para os 50 anos da revolução portuguesa de 25 de abril — Foto: PATRICIA DE MELO MOREIRA / AFP

Chassis, motor, pneus… foi necessário montar quase mil peças para restaurar um blindado de 1942 equipado com um canhão e dar a ele uma segunda vida para a comemoração do aniversário de 50 anos da Revolução dos Cravos em Portugal, um levante que aconteceu em 1974 e pôs fim à ditadura liderada por Antônio Salazar diante da grande crise econômica que o país enfrentava.

— É emocionante ver o veículo em que estive naquele dia. Sabia que, depois daquele momento, Portugal não seria o mesmo — lembrou José Afonso de Oliveira, ex-subtenente e psicólogo aposentado de 73 anos, que em 25 de abril de 1974 dirigia a tripulação de um Humber de fabricação britânica em uma das colunas de militares que iam em direção a Lisboa para depor uma ditadura de 48 anos.

— Poderiam ter me detido, mas o regime já estava morrendo — contou à AFP o ex-subtenente, um dos 5 mil militares que participaram da derrubada do regime.

A poucos dias das comemorações dessa jornada histórica, Oliveira visitou a oficina onde um pequeno grupo de entusiastas restaura há dois anos os veículos blindados da época.

— É um verdadeiro quebra-cabeça — exclama Antonio Carvalho, um engenheiro de 41 anos que dedica parte do seu tempo livre às restaurações.

O Humber continua desarmado e as peças seguem à espera de serem montadas nas prateleiras da oficina militar localizada nos arredores de Lisboa.

— Felizmente, temos a ajuda de um inglês que nos enviou manuais e peças raras por meio da embaixada portuguesa em Londres — explica Carvalho, que é apaixonado por História e membro da Associação Portuguesa de Veículos Militares Antigos.

Para as comemorações oficiais, que vão acontecer nesta quinta-feira, cerca de 15 veículos participarão da reconstrução histórica da coluna dirigida pelo capitão José Salgueiro Maia, um dos heróis da Revolução dos Cravos, falecido em 1992.

No mesmo armazém se encontra uma réplica do Chaimite “Bula”, um dos blindados de fabricação portuguesa que se tornou famoso por transportar Marcelo Caetano, o ditador destituído que ocupou o lugar de Salazar alguns anos antes.

Os veículos de transporte das tropas do Exército português, utilizados nas guerras coloniais que Portugal travou na África entre 1961 e 1974, tornaram-se ícones de um ato em que não houve derramamento de sangue.

Um outro símbolo da Revolução, que deu nome a ela, foi o cravo vermelho, uma flor sazonal oferecida aos soldados que a colocaram no cano da sua espingarda.

Mas naquele momento “tudo poderia ter dado errado”, lembra José Climaco, um dos soldados que saíram do quartel em Santarém, a cerca de 100 quilômetros ao norte da capital, com o capitão Salgueiro Maia.

— No caminho não encontramos nenhum obstáculo — conta o homem de 75 anos, ao recordar essa jornada que viveu a bordo de outro blindado antigo, isolado do mundo já que o equipamento de transmissão de rádio não funcionava.

Após chegarem em Lisboa, a situação se tornou tensa quando se viram de frente com uma unidade militar leal ao regime.

— Quase fomos baleados — afirma Antonio Gonçalves, outro soldado desse grupo de insurgentes. — Tínhamos recebido ordens de responder com tiros se necessário — mas os homens da unidade finalmente se renderam, relata o ex-militar de 74 anos.

Depois de uma primeira parada na Praça do Comércio, às margens do rio Tejo, a coluna dirigiu-se ao quartel de polícia onde Caetano estava refugiado com alguns dos seus ministros. Cercados por milhares de pessoas que chegavam para apoiá-los, os militares iniciaram negociações com os representantes do regime, que estavam cercados.

— Havia muito nervosismo lá. Estava claro que as pessoas queriam virar a página — contou Eduardo Gageiro, um fotojornalista que cobria os eventos para uma revista portuguesa.

— Nos disseram para derrubar a porta do quartel, e dispararam tiros de advertência para obrigar os membros do governo a se render — lembra José Climaco.

Depois, acrescenta o militar, “finalmente abriram a porta”, o que permitiu que um Chaimite “ingressasse marcha a ré” para escoltá-los até um quartel ao norte da capital.

Fonte: O Globo

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