Bebê palestino nasce após morte da mãe em ataque aéreo, e 300 corpos são achados em vala de comum de hospital em Gaza

Profissionais de saúde palestinos procuram corpos enterrados no complexo do hospital Nasser em Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza.
Profissionais de saúde palestinos procuram corpos enterrados no complexo do hospital Nasser em Khan Yunis, no sul da Faixa de Gaza. — Foto: AFP

Do nascimento à morte, não há um só palestino na Faixa de Gaza a salvo do luto, da raiva e da dor. No último sábado, uma cesariana salvou a vida de uma bebê cuja mãe foi morta durante um bombardeio israelense à cidade de Rafah, no sul do enclave palestino. A jovem não resistiu aos ferimentos, mas resguardou a vida da filha no ventre. No mesmo dia, na vizinha Khan Younis, funcionários da Defesa Civil encontraram uma vala comum com quase 300 corpos no hospital Nasser, de onde os militares israelenses se retiraram no último dia 7.

A jovem Sabreen al-Sakani, mãe da recém-nascida, estava com sete meses e meio de gravidez. Apesar de ter passado boa parte da gestação sob a incerteza do conflito, a expectativa era de que pudesse superá-lo. Até que tudo mudou na madrugada de sexta para sábado: um bombardeio atingiu sua casa, onde dormia com o marido e a outra filha do casal, a pequena Malak, de 3 anos. Sabreen teve ferimentos graves, e seu marido e Malak morreram na hora. A jovem chegou a ser levada para o hospital, onde foi submetida a uma cirurgia de emergência, mas não pôde ser salva.

A bebê chegou ao mundo pesando apenas 1,4 kg e por alguns instantes também perdeu os sinais vitais. Voltou à vida após a execução suave pelos médicos de uma massagem cardíaca, e um aparelho foi usado para levar ar até os pequenos pulmões. À rede de notícias BBC, o médico Mohammed Salama, chefe da unidade neonatal do Hospital Emirados em Rafah, disse que a recém-nascida “nasceu com graves problemas respiratórios”. A mãe, ele contou à Reuters, partiu antes de sua chegada.

Sob o corpinho, foi colocado um papel com a identificação “o bebê da mártir Sabreen al-Sakani”. A recém-nascida, batizada em homenagem à mãe, foi então colocada em uma incubadora:

— Podemos dizer que há algum progresso no seu estado de saúde — afirmou Salama à BBC, acrescentando que a situação ainda é de “risco”. — Esta criança deveria estar no ventre da mãe neste momento, mas foi privada desse direito.

Malak, que não viu a irmã caçula nascer, já tinha escolhido um nome para a pequena Sabreen: Rouh, que significa “alma” em árabe, segundo contou seu tio Rami al-Sheikh a um jornalista da Reuters. Ele disse que a família era formada por “civis comuns”.

— Meu irmão é barbeiro e costumava trabalhar comigo na loja — disse al-Sheikh sobre o pai da bebê. — Eles eram pessoas felizes, e a garotinha Malak estava feliz porque sua irmã estava vindo ao mundo.

A bebê passará de três a quatro semanas no hospital, e então os médicos decidirão com quem mandá-la para casa.

— Esperamos que depois que seu desconforto respiratório melhorar, ela precisará ser amamentada — disse Salama. — Foi-lhe negado tudo: negado a sua mãe, negado o seu leite. Algumas substituições podem ser feitas, mas nada substituirá a mãe.

O ataque aéreo que tornou a pequena Sabreen órfã antes mesmo de nascer também matou outras 15 crianças da família al-Aal, segundo a BBC. Na semana passada, um bombardeio matou ao menos dez pessoas de uma mesma família, incluindo cinco menores com idades entre três e 16 anos.

Quase metade dos 2,2 milhões de palestinos em Gaza foi deslocado para a cidade de Rafah devido ao conflito e às sucessivas ordens do Exército para que deixassem o norte. A região abriga quase um milhão e meio de pessoas, de acordo com as Nações Unidas, e promete ser o próximo alvo dos militares israelenses, sob a alegação de que o local é o “último bastião do Hamas”.

Uma declaração das forças israelenses encaminhada à rede britânica após a ofensiva de sábado afirmou que “Em determinados momentos, as IDF [Forças Armadas de Israel] atingiram vários alvos militares de organizações terroristas em Gaza, incluindo complexos militares, postos de lançamento e terroristas armados”.

Poucos dias depois, na cidade de Khan Younis, também na região sul da Faixa de Gaza, a Defesa Civil do enclave palestino afirmou nesta segunda-feira que seus funcionários encontraram quase 300 corpos depositados em uma vala comum no Hospital Nasser, alvo de incursões israelenses. Na época, o porta-voz das Forças Armadas, o contra-almirante Daniel Hagari, alegou ter “informações confiáveis de uma série de fontes, inclusive de reféns libertados”, de que o Hamas já havia mantido sequestrados no local. Os militares, porém, não divulgaram as evidências.

— Recuperamos 283 corpos de mártires da vala comum no pátio do Complexo Médico Nasser desde a retirada do exército israelense — disse o coronel Yamen Abu Suleiman, diretor da Defesa Civil na cidade, à CNN.

O coronel afirmou que alguns corpos estavam com as mãos e os pés amarrados, além de “sinais de execuções em campo”. A maior parte dos cadáveres também já estava em decomposição. (Com NYT e AFP)

Fonte: O Globo

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