Atentado contra Cristina Kirchner eleva crise na Argentina

ARG - ARGENTINA/CRISTINA KIRCHNER/ATAQUE/PROTESO/APOIADORES - INTERNACIONAL - Apoiadores da vice-presidente argentina Cristina Fernandez se reúnem na praça Plaza de Mayo um dia após ela sofrer um atentado do lado de fora de sua casa em Buenos Aires, na Argentina, nesta sexta-feira, 2 de setembro de 2022. Mensagens de choque e solidariedade chegaram de todo o mundo hoje depois que um homem tentou atirar em Cristina em um ataque capturado em vídeo. Sindicatos políticos e trabalhistas em casa convocaram manifestações em massa em todo o país para denunciar o ataque de quinta-feira contra a vice- presidente, que sobreviveu porque a arma apontada para seu rosto de muito perto não disparou. 02/09/2022 - Foto: RODRIGO ABD/ASSOCIATED PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

O atentado contra a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, na noite de quinta-feira, 1º, despertou temores de retorno da violência política ao país e criou mais um foco tensão em uma sociedade marcada por constantes crises econômicas, políticas e sociais. Segundo analistas, o episódio ocorre em um momento crítico no país, que tenta combater uma das inflações mais altas do mundo, vê o aumento da pobreza e presenciou a condenação da própria Cristina a 12 de prisão por corrupção.

A polícia argentina prendeu um brasileiro por tentar atirar contra Cristina em frente à sua casa em Buenos Aires, enquanto cumprimentava militantes. O suspeito foi identificado como Fernando André Sabag Montiel, de 35 anos. Políticos aliados, opositores e líderes internacionais se apressaram em repudiar o ataque, considerado o mais grave na política recente da Argentina, e o presidente Alberto Fernández decretou feriado nacional para que os argentinos possam se manifestar nas ruas “em defesa da democracia”.

Analistas ouvidos pelo Estadão reforçam que o atentado marca um risco de radicalização da política argentina, que vê uma escalada da polarização em torno do kirchnerismo. “A política argentina está entrando em uma espiral de polarização e esperemos que isso não leve ao que chamamos na ciência política de radicalização, que é quando as intensidades políticas no racha entre o kirchnerismo e anti-kirchnerismo, se transforma em violência”, explica Facundo Galván, professor de ciência política da Universidade de Buenos Aires.

Porém, tanto aliados ao kirchnerismo quanto opositores já começam a fazer uso político do episódio, estes acusando Cristina de provocar um autoatentado com objetivo de ofuscar a recente condenação do Ministério Público e aqueles atribuindo a culpa à oposição e aos meios de comunicação por discursos de ódio contra a vice-presidente.

“O próprio presidente decretou feriado nacional fazendo um discurso muito infeliz dizendo que a mídia e os propagadores de ódio são os responsáveis [pelo ataque] mas isso é um tiro aos meios de comunicação opositores e aos líderes da oposição e não se faz uma autocrítica. O discurso de ódio é real e está nos líderes da oposição e nos meios de comunicação, mas o governo também propaga”, completa.

Galván chama atenção para o fato de que a violência política não é comum na Argentina desde os 70, durante o terceiro mandado de Juan Domingo Perón, e pode trazer uma escalada nos ataques até as eleições presidenciais de 2023 no país.

“A Argentina, há muito tempo, já disse ‘basta’ à violência e nisso há um consenso geral em todos os atores, de que não é através da violência que se resolve os os conflitos. Mas a realidade é que a virulência da discussão tem sido muito grande e inadvertidamente está incentivando alguns malucos”, concorda María Lourdes Puente, professora na Escola de Política e Governo da Universidade Católica Argentina.

Segundo os analistas, embora a troca de farpas entre aliados e opositores de Cristina seja antiga, ela se acentuou depois do pedido de prisão e perda de seus direitos políticos por suposta corrupção em licitação de obras durante seu mandato como presidente (2007-2015). Manifestantes se reuniram em frente à cada da vice-presidente e houve repressão policial.

“A partir desta condenação se gerou uma grande mobilização em torno da casa particular da vice-presidente, primeiro foram os vizinhos acusá-la de ser ladra e se manifestar contra ela e depois se encheu de militantes”, relembra Galván. “A partir daí já houve todo um aparato de segurança ao redor da vice-presidente”. Até mesmo a segurança de Cristina virou outro motivo de racha, em uma discussão de quem seria a culpa pela vice-presidente estar tão exposta a um episódio violento.

Os analistas chamam atenção para o momento em que o ataque ocorre, quando a Argentina já tem uma profunda e longeva crise econômica para resolver, que acaba ofuscada por um ataque à figura mais central na política do país.

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