As saídas temporárias de presos e a retomada da racionalidade

Penitenciária federal de segurança máxima de Brasília
Articulistas afirmam que preocupação de congressistas ao aprovar o PL das saidinhas parece ter sido dar uma resposta tão rápida quanto irrefletida a uma demanda setorizada; na imagem, a penitenciária federal de segurança máxima de Brasília

O projeto de lei 2.253 de 2022 em tramitação no Senado, derivado do projeto de lei 583 de 2011 da Câmara dos Deputados, que trata sobre a restrição das hipóteses de autorização para saídas temporárias de condenados, constitui-se em um verdadeiro ponto de inflexão na política criminal brasileira. 

O avanço da proposição, consideradas desde logo as suas inegáveis repercussões sobre o já combalido sistema prisional brasileiro, faz com que a sociedade brasileira se coloque diante da possibilidade de um retrocesso sem precedentes em relação à uma concepção democrática de execução penal dada pela Lei 7.210 de 1984.

O modo como se deu a tramitação da proposição no Senado revela que o debate relativo aos contornos da política criminal brasileira segue sendo pautado por gestos e discursos demagógicos, permeados por improvisações, jargões, moralismos e obscurantismos.

O fato de a proposição em questão, a despeito de suas gravíssimas repercussões, ter sido apreciada em regime de urgência e aprovada por ampla maioria no Senado, estimula a realização de importantes reflexões sobre as bases nas quais se funda a política pública de ressocialização de presos no Brasil: 

Não nos parece que nenhuma dessas questões tenha sido minimamente discutida pelos congressistas, cuja principal preocupação parece ser dar uma resposta tão rápida quanto irrefletida a uma demanda setorizada e que passou a ter algum apelo popular a partir de um fato trágico, porém isolado (homicídio cometido contra um policial militar).

Ao fazermos um imprescindível apelo à retomada da racionalidade dos trabalhos legislativos em matéria penal, lembramos que, em sendo a política criminal uma espécie de política pública aplicada à questão criminal, sua finalidade primeira, em regimes democráticos, deve consistir em promover a reintegração social do apenado (sujeito de direitos) como uma das melhores estratégias de redução da delinquência a parâmetros socialmente aceitáveis.

A falta de racionalidade legislativa da proposição agora devolvida à Câmara dos Deputados também pode ser explicada pelo fato de que parcela significativa dos legisladores parece pressupor que o enfrentamento da criminalidade se dá num plano essencialmente valorativo. Assim, seria desnecessário refletir sobre os custos materiais implicados, por exemplo, na ampliação das hipóteses de monitoramento eletrônico (providência que demandará a mobilização de recursos públicos que sequer se sabe se estão disponíveis). Também seria dispensável, sob essa equivocada perspectiva, ponderar acerca dos custos sociais implicados na virtual extinção das saídas temporárias.

O medo, a indignação e a repulsa social representam, no limite, sentimentos cuja exasperação em nada contribui para o esclarecimento das reais causas dos problemas sobre os quais o Congresso Nacional deve se debruçar. Em realidade, a superestimação desses sentimentos, em prejuízo de estudos científicos e dados empíricos, conduz à  simplificação nefasta do debate público e estimula a defesa de “soluções” que agravam os problemas que os legisladores alegam pretender solucionar.

Fonte: Poder360

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