As mulheres faturam: Agricultoras transformam terras antes minadas em meio de subsistência para famílias na Colômbia

Uma agricultora da Asomucac é auxiliada por membro da Brigada de Desminagem Humanitária na colheita de cacau em Cubarral, Colômbia
Uma agricultora da Asomucac é auxiliada por membro da Brigada de Desminagem Humanitária na colheita de cacau em Cubarral, Colômbia — Foto: Associação de Mulheres Produtoras de Cacau de Cubarral

Durante a maior parte de sua vida, a agricultora Paola Mejía, de 37 anos, conviveu com a violência dos grupos armados na Colômbia sem ter outra perspectiva. Tudo começou a mudar em 2015, quando o Serviço Nacional de Aprendizagem (Sena) — uma espécie de Sebrae do país — abriu uma chamada para capacitação de homens e mulheres do campo interessados em aprender sobre o processamento de cacau. O curso, que durou dois anos, levou à criação da Associação de Mulheres Produtoras de Cacau de Cubarral (Asomucac), um grupo formado por 11 camponesas que inclui mães solo, chefes de família, idosas e uma Down. Em sete anos, a organização, que não tem fins lucrativos, multiplicou por seis suas vendas, garantindo a subsistência de cerca de 40 pessoas. Mas mais do que isso, ensinou às suas associadas algo inestimável: o poder da autoestima feminina.

— O nascimento da Asomucac permitiu que nós nos tornássemos conhecidas por criarmos um meio de subsistência para nossos lares — disse Mejía ao GLOBO. — Antes disso, muitas de nós estávamos enraizadas em fazendas. Não saíamos, não socializávamos, não tínhamos autoconfiança. Graças à organização, pudemos perceber que somos grandes líderes e dizer: sim, nós podemos, sim, nós teremos sucesso.

As origens da Asomucac remetem aos processos de paz da Colômbia. Em 2016, um ano antes de a associação ser fundada, o governo havia assinado o histórico Acordo de Paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que levou à desmobilização de 16 mil guerrilheiros. Entre outros aspectos, as negociações contemplavam ainda a limpeza das terras contaminadas por minas terrestres e sua posterior distribuição para pequenos agricultores.

Foi a partir dessa iniciativa que, em 2017, a Asomucac recebeu das mãos do Estado 100 hectares de terra em Cubarral, um município de pouco mais de 5 mil habitantes no departamento de Meta. É lá que as 11 famílias plantam o café e o cacau processado pela associação em 60% do terreno, e o restante é dividido entre elas para produção de víveres diversos, como banana, mandioca e cítricos, que servem para consumo próprio ou complementação de renda.

O projeto começou modesto, com vendas mensais que giravam em torno de 500 mil pesos (“às vezes até menos, cerca de 150 mil pesos”, segundo Mejía). Mas hoje, conta com clientes em todo o país e conseguiu multiplicar seu faturamento em mais de seis vezes, com vendas anuais chegam de 30 milhões a 40 milhões de pesos colombianos — equivalentes a cerca de 30 a 34 salários mínimos.

— Somos responsáveis pela transformação de tudo o que tem a ver com cacau e café aqui da região; cultivamos nossos produtos e nós mesmas os processamos, o que dá ao cliente a garantia de que são produtos livres de aditivos, corantes ou sabores artificiais — afirma Mejía.

A Asomucac produz cerca de 600 kg a 700 kg de cacau e de café por ano, uma quantidade que pode parecer modesta frente ao montante dos latifundiários da Colômbia, um país famoso por sua produção cafeeira. Mas, segundo Mejía, o foco da associação agrícola, cuja marca comercial é conhecida como Mujari (“mulheres de ouro”), não é a quantidade, e sim a qualidade:

— Nossas lavouras contam com uma abordagem inovadora para o plantio de clones exclusivos de cacau premium, para termos um fruto muito mais refinado, com sabor e aroma muito melhores — afirma, acrescentando que isso “agrega valor às lavouras”.

Nas sendas de café, as mulheres trabalham com as variedades Castilla e Caturra, que são um blend de Arábica, líder de mercado. Um saco de um quilo do café Mujari custa 30 mil pesos na loja da associação, onde também é possível encontrar barras de chocolate, chocolate em pó e bombons recheados com frutas secas e nozes (“nosso carro chefe”, destaca Mejía).

A Asomucac cultiva seu próprio cacau, mas como as vendas aumentaram muito nos últimos anos, o grupo agora também compra de outros agricultores regionais que, assim, como elas, seguem processos orgânicos de produção, livres de agrotóxicos. As mulheres se responsabilizam pelo processo do início ao fim, desde a chegada dos grãos até o empacotamento do produto comestível.

A associação não tem fins lucrativos. Todo o dinheiro arrecadado é reinvestido no grupo para comprar maquinários e matéria-prima, além de cobrir os custos de despesas legais e administrativas. No entanto, também são distribuídos pequenos benefícios para as associadas.

Cubarral foi oficialmente declarada livre de minas terrestres em maio de 2023, após seis anos de estudo e limpeza, que contaram com a participação de militares da Marinha e do Exército do Brasil, além de outros países latino-americanos. O trabalho de desminagem humanitária mudou a vida dos agricultores locais. Antes, “nossa vida era muito complexa”, conta Mejía, segundo a qual “havia muito medo e insegurança”, já que não se sabia quais pedaços de terra estavam contaminados ou não.

— Nossos agricultores não podiam entrar nessas terras, porque era muito perigoso. Algumas pessoas do nosso vilarejo foram vitimadas pelas minas terrestres e duas perderam as pernas. Isso impediu durante muito tempo que nossas colheitas fossem abundantes e que pudéssemos nos beneficiar amplamente da chegada da paz ao território — reflete Mejía.

Agora, ela diz, “tudo mudou”, porque os produtores rurais se sentem seguros para semear com confiança em toda parte.

— Aqui era uma zona de conflito, uma área em que as mulheres não tinham voz ativa. Mas hoje, com toda a ajuda que nós recebemos de várias entidades como o Exército Nacional [que possui Brigadas de Desminagem Humanitária, cujas funções incluem a limpeza das terras, mas também atividades educativas] e as universidades, sabemos que somos muito inteligentes e que podemos fazer coisas grandes — afirma Mejía.

A mão de obra feminina é essencial para a economia da Colômbia, especialmente na zona rural. De acordo com o Censo Agrícola Nacional de 2014 (o último realizado), 46% da população que vive no campo é composta por mulheres. Mas se antes elas eram coadjuvantes nesse setor, hoje comandam diversas iniciativas — em Cubarral, além da Asomucac há uma associação de 60 mulheres que lideram uma cooperativa de laticínios e uma rede dedicada à produção de artesanato a partir de materiais recicláveis e reutilizáveis.

— Temos de nos colocar nas mãos de Deus, mas também é muito importante não desistirmos. Sempre há muito potencial dentro de nós, mulheres, e, sim, nós podemos — conclui a agricultora.

Fonte: O Globo

© 2024 Blog do Marcos Dantas. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.