Apple entra na IA com empresa de ética duvidosa, mas suas ações disparam

Aparelhos Apple em vídeo de divulgação das novidades de inteligência artificial da big tech
As novidades anunciadas pela Apple podem ser esquálidas, mas agora há um motivo palpável para se vender celulares da companhia

A Apple se meteu numa enrascada. Ao apresentar o seu sistema de inteligência artificial, na 2ª feira (10.jun.2024) em Cupertino, na Califórnia, a empresa anunciou que vai usar o ChatGPT, da OpenAI, sempre que seus próprios recursos não conseguirem dar conta da tarefa solicitada pelo usuário.

A Apple se vende para o mercado como a empresa que mais respeita a privacidade e os direitos do consumidor –e isso não é só marketing; há uma intenção de privilegiar o comprador em vez de o anunciante, só para comparar a companhia com o Google.

A enrascada é que a OpenAI, uma empresa que praticamente inventou a inteligência artificial para as massas ao lançar o ChatGPT em novembro de 2022, não prima pela ética. Copiou sem qualquer pudor bancos de dados de grandes jornais, como o New York Times e Washington Post, o que lhe valeu um processo na Justiça dos Estados Unidos por violação de direitos autorais, e mimetizou de forma descarada a voz melíflua que a atriz Scarlett Johansson criou para a personagem do filme Ela. Quando a atriz reclamou, a empresa usou da velha tática do “foi mal”, de que não fez isso, que é pura coincidência, mas retirou a cópia do ar.

É meio ingênuo e bobo, eu sei, cobrar comportamento ético das empresas do Vale do Silício, onde impera o princípio da esperteza e da rapinagem desde os anos 1990. Mas não fui eu que inventei esse discurso da Apple como campeã dos direitos; foi a própria companhia.

A curto prazo parece que a associação não afetará a imagem da Apple, excelente quando comparada ao restante das empresas de tecnologia. Na 3ª feira (11.jun.2024), as ações da Apple dispararam na casa dos 7%, retomando o patamar de dezembro de 2023, quando a empresa era a maior do mundo. É um desempenho excelente.

Nos últimos 6 meses, a Apple foi ultrapassada pela Microsoft e Nvidia por conta do pioneirismo das duas empresas em IA. A Microsoft é a maior financiadora da OpenAI; já a Nvidia produziu os chips que propiciaram o salto tecnológico.

A Apple voltou ao jogo. Ela havia ficado para trás no mercado de inteligência artificial porque não encontrara tecnologia que seguisse os seus princípios de respeito à privacidade do consumidor, segundo a própria companhia. A maioria das empresas usa sistemas em nuvem para processar IA. A Apple não queria adotar esse tipo de tecnologia porque os riscos de invasão não são desprezíveis. Havia também problemas com mão de obra de altíssimo nível. Como a Apple não permite que seus funcionários publiquem pesquisas com desenvolvimento feitas dentro da empresa, os melhores cérebros que ela tinha em IA saíram depois do fenômeno da OpenAI.

A solução para escapar ao impasse da tecnologia de nuvem foi o investimento em chip, área na qual a Apple domina com excelência. A empresa teve de fazer concessões também. A associação com a OpenAI foi uma delas. A Apple é conhecida por fazer tudo sozinha. A IA obrigou a empresa a mudar essa orientação. Há rumores de que a próxima associada pode ser o Google, que já fornece mecanismos de busca para a empresa.

O entusiasmo dos investidores com a entrada da Apple no mercado de IA é resultado mais de apostas do que de fatos. Porque a Apple não permitiu que jornalistas manipulassem o novo sistema ou que fizessem perguntas.

Segundo a empresa, a IA vai permitir que a Siri, sistema de voz que já tem 13 anos e estava caminhando para o esquecimento, organize tarefas como a sua agenda com uma esperteza jamais vista. O exemplo citado é que a agenda vai ser durona quando você tentar mudar o horário de uma reunião e ela coincidir com o teatro infantil do seu filho.

O sistema de IA vai relembrar mensagens antigas quando você for escrever uma resposta a uma mensagem ou e-mail. Vai fazer conexões entre pesquisas que você fez e compromissos. Permitirá que você crie emojis.

Para fugir de confusões, a Apple não tem nenhum sistema que permite a criação de imagens hiper-realistas. Há ainda a possibilidade de escrever programas com os recursos de IA, algo que o ChatGPT faz muito bem, de acordo com especialistas e programadores com quem conversei.

A Apple teve perdas significativas no último ano. O faturamento da empresa caiu de US$ 205,5 bilhões no ano fiscal de 2022 para US$ 200,6 bilhões em 2023 (o ano fiscal, no caso, acaba em setembro). Empresas de consultoria estimam que usuários de 270 milhões de iPhones não compraram novos modelos nos últimos 4 anos. Os celulares tornaram-se o principal motor da empresa, com 1,334 bilhão de usuários ativos de iPhone no mundo.

O sistema de IA só vai funcionar para o iPhone 15 Pro e 15 Pro Max, vendidos por preços que partem de R$ 9.300. O sistema roda também no aparelho que será lançado nos próximos meses. É por isso que o mercado se animou com o anúncio da Apple. Podem ser novidades esquálidas, mas agora há um motivo palpável para se vender celulares da companhia. Só precisa ver se o consumidor também acha isso.

Fonte: Poder360

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