Após prisões em Columbia, protestos contra a guerra em Gaza se espalham por universidades dos EUA

Manifestantes pró-Palestina na Universidade Yale
Manifestantes pró-Palestina na Universidade Yale — Foto: Adrian Martinez Chavez/The New York Times

Depois da prisão de mais de 100 pessoas no principal campus da Universidade Columbia, em Nova York, que participavam de um ato contra a guerra na Faixa de Gaza na quinta-feira, os protestos se espalharam por várias instituições dos Estados Unidos, com novas detenções e denúncias de antissemitismo contra manifestantes.

Na manhã de segunda-feira, 45 pessoas, incluindo estudantes e ativistas, foram presas na Universidade Yale, acusadas de bloquearem uma rua nos arredores do campus em New Haven, no estado de Connecticut. Elas foram levadas pela polícia do campus e posteriormente liberadas.

Mas isso não impediu que um segundo grupo retornasse ao local para continuar com a manifestação, que além de pedir o fim da guerra, trazia cartazes em defesa do movimento conhecido como BDS, sigla em inglês para “Boicote, Desinvestimento e Sanções”, que prega medidas contra Israel pelo que considera ser um “sistema de apartheid” nos territórios palestinos. Grupos judaicos chamam a política de “antissemita”, e governos regionais de vários países proíbem empresas e entidades de aplicá-la.

Segundo a polícia de Yale, não há planos para novas prisões no campus, desde que os manifestantes se expressem de maneira não violenta. Na parte da tarde, uma carta em apoio aos protestos já reunia mais de 1,5 mil assinaturas de alunos, ex-alunos e pais de alunos — o texto defende ainda que as doações à universidade sejam suspensas até que a administração se comprometa a não investir em empresas que forneçam armas a Israel.

No domingo, o reitor de Yale, Peter Salovey, disse que um conselho responsável pelas finanças da universidade foi contra abandonar os investimentos em indústrias do setor armamentista, uma decisão que ajudou a inflamar os protestos no campus. Na mensagem, ele afirmou que “há caminhos disponíveis para continuar essa discussão com transparência e civilidade”, e pede que aqueles “que tenham sugestões” sigam essa linha.

Na Universidade do Michigan, em Ann Arbor, cerca de 100 pessoas montaram um acampamento no principal campus, com barracas, cartazes e cadeiras. Segundo o New York Times, a polícia acompanha à distância, e há um grupo de manifestantes pró-Israel nos arredores. Protestos semelhantes ocorrem diante da New School, em Nova York, mas sem registro de incidentes graves.

Há décadas as universidades americanas convivem com o debate sobre a Questão Palestina, mas o ataque do grupo terrorista Hamas, no dia 7 de outubro de 2023, e a subsequente operação militar de Israel na Faixa de Gaza aprofundaram as diferenças.

Por um lado, denúncias de antissemitismo nos campi, incluindo agressões físicas, dispararam, e a percepção de insegurança aos estudantes judeus levou a audiências no Congresso e à saída de pelo menos duas reitoras de instituições de primeira linha.

“Nos últimos dias, a anarquia tomou conta do campus”, escreveu, em carta à reitora de Columbia, Nemar Shafik, a deputada republicana Elise Stefanik, que tem liderado a pressão sobre as universidades desde o início da guerra. Assim como fez com outras lideranças universitárias, ela disse que Shafik “fracassou” na criação de um ambiente seguro aos alunos, e que a situação só pode ser contornada com sua renúncia.

Até o momento, Shafik resiste no cargo. Na madrugada de segunda-feira, ela enviou uma mensagem à comunidade acadêmica, na qual determinava que as aulas nesta segunda ocorreriam de forma virtual, para que todos “reduzam o rancor” e “para dar a todos a chance de considerar os próximos passos”.

“O volume das divergências apenas aumentou nos últimos dias”, disse Shafik. “Essas tensões foram exploradas e amplificadas por indivíduos que não estão ligados a Columbia, mas que vieram ao campus para benefício de suas próprias agendas. Precisamos de um recomeço.”

Por outro lado , alunos críticos à guerra — entre eles vários estudantes judeus — veem as ações das autoridades como um cerceamento de sua liberdade de expressão, e também apontam para o crescimento da islamofobia no ambiente acadêmico. Na semana passada, o discurso de uma aluna muçulmana na Universidade do Sul da Califórnia foi cancelado após ameaças feitas por um grupo pró-Israel: Asna Tabassum, que tinha sido atacada na internet por “retórica antissemita e anti-sionista”, disse que a instituição “sucumbe a uma campanha de ódio”.

Existem queixas sobre as prisões nos protestos — nos atos da semana passada em Columbia, alguns alunos dizem que seus objetos apreendidos pela polícia foram jogados em uma viela, e que suas fotos foram expostas em áreas comuns. Um grupo segue acampado dentro da universidade em Manhattan, mas não há indicativo de que uma operação similar à de quinta-feira esteja prestes a acontecer.

— Isso é muito diferente porque vemos estudantes contra estudantes. São funcionários contra funcionários. É, internamente, o protesto que mais causou divisões que já vi — afirmou, em entrevista ao site Politico, a reitora da Universidade da Califórnia em Berkeley, Carol Christ.

A instituição também foi cenário de protestos recentes, e Christ, apesar de não ter sido convocada para prestar depoimento no Congresso, já expressou descontentamento com a maneira como seus subordinados lidam com denúncias de antissemitismo.

Berço do Movimento pela Liberdade de Expressão nos anos 1960, durante a Guerra do Vietnã, Berkeley tem um dos mais antigos ativismos pró-Palestina nas universidades americanas, e é um dos bastiões do BDS nos EUA. Desde o início da guerra, os protestos têm sido majoritariamente pacíficos, mas há casos — documentados em redes sociais — de atos de agressão contra judeus. Pouco depois do ataque de outubro do Hamas, a representação local do movimento Estudantes pela Justiça na Palestina emitiu uma nota na qual parecia defender as ações do grupo terrorista.

— É quase como se os estudantes internalizassem o sentimento de violência que é tão horrível de se ver no Oriente Médio agora — disse Christ.

Na entrevista ao Politico, a reitora apontou que a prática do “doxing”, a divulgação de informações pessoais, como telefone, endereço ou documentos, com fins prejudiciais, tem ampliado “a sensação de vulnerabilidade demonstrada por tantos estudantes”, não apenas os judeus.

Antes mesmo da guerra, Israel era um dos poucos temas de política externa capazes de influenciar a política americana. E em um ano eleitoral, os protestos nas universidades são um palco perfeito. A começar por Stefanik, que é uma estrela ascendente no Partido Republicano, e que chegou a ser cogitada como uma potencial vice de Donald Trump na disputa presidencial. Daniel Goldman, deputado democrata em Nova York que busca a reeleição, esteve em um centro judaico ligado a Columbia nesta segunda-feira, e disse que os discursos nos protestos “criam um grau inaceitável de medo que não pode ser tolerado.”

Durante um evento relacionado ao Dia da Terra, o presidente Joe Biden, atacado por setores de seu eleitorado pelo apoio a Israel, inclusive militar, disse condenar atos de antissemitismo, mas também criticou os defensores da expansão do conflito.

— Condeno os protestos antissemitas, e é por isso que criamos um programa para lidar com isso. E também condeno aqueles que não entendem o que acontece com os palestinos — disse Biden. Durante as primárias, em pelo menos três estados eleitores se organizaram para um voto de protesto contra o presidente, acendendo o sinal de alerta na campanha, ainda mais em uma disputa que promete ser uma das mais acirradas da história recente.

Fonte: O Globo

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