Em fevereiro, dois grandes cães brancos escaparam de uma fazenda sem fins lucrativos no condado de Westchester e acabaram em um parque do estado de Nova York. A dupla encontrou um pequeno poodle de 7kg e atacaram, matando o poodle e ferindo gravemente seu dono. Agindo com base na legislação estadual, um juiz local ordenou que os cães fossem sacrificados.
As consequências do encontro foram consideráveis. A fazenda, Stone Barns Center for Food and Agriculture, que está ligada ao Blue Hill at Stone Barns, um restaurante com estrela Michelin em Pocantico Hills, entrou com um recurso na quinta-feira para suspender o sacrifício dos cães.
Um advogado da dona do poodle miniatura, Yong Ging Qian, disse que ela estava considerando uma ação judicial contra a fazenda por conta de seus “ferimentos substanciais”, como descreveu em uma audiência: uma mão mutilada, várias costelas quebradas, hemorragia cerebral e um ataque cardíaco.
Os animais – Luna e Owyn – eram cães de guarda, criados e treinados para proteger o gado. Eles haviam escapado em 6 de fevereiro da fazenda no condado de Westchester, ao norte da cidade de Nova York. O restaurante, onde uma refeição custa cerca de US$ 400 por pessoa, conquistou duas estrelas Michelin por suas inovações na culinária, bem como uma estrela verde Michelin, concedida a restaurantes “na vanguarda” das práticas sustentáveis.
O ataque chamou a atenção para Stone Barns e Blue Hill, já que ex-funcionários da fazenda, criadores e agricultores próximos questionaram se ela se envolveu em práticas que criaram uma situação perigosa, uma acusação que a fazenda nega.
“O fato de dois de nossos cães terem tido um incidente único após 20 anos não reflete sobre a segurança mais ampla de nosso programa de cães de guarda e gado”, disse um porta-voz de Stone Barns em um e-mail. “Pelo contrário, mostra o quão seguros são os cães que colocamos em serviço.”
Como os cães foram capazes de encontrar BaoBao, o poodle, permanece em disputa. Parece provável, disseram os especialistas, que sua fuga se deva à cerca inadequada e à falha da fazenda em manter o controle de seus cães. De acordo com Bill Costanzo, que lidera o programa de cães guardiões de gado no Agrilife Research and Extension Center, da Universidade do Texas, esses cachorros naturalmente percorrem vastos territórios. As cercas baixas em Stone Barns não são um grande impedimento contra esse instinto.
— É um desastre esperando para acontecer —, disse Costanzo.
O Stone Barns Center é uma fazenda única. É cercado pelo Rockefeller State Park Preserve, mais de 1.700 acres de floresta e pastagens cruzadas por trilhas de carruagens que atraem mais de 350 mil corredores e donos de cães por ano. O centro foi criado no início dos anos 2000 por David Rockefeller para inovar em novos métodos na agricultura sustentável.
“Trata-se de sazonalidade, localidade e relacionamentos diretos com seu agricultor”, escreveu Barber em seu livro “The Third Plate: Field Notes on the Future of Food”.
A fazenda mantém rebanhos de gado, ovelhas e cabras. Usando cercas elétricas móveis, muitas vezes ela rotaciona o gado entre piquetes temporários montados em diferentes pastagens para melhorar a saúde dos animais, disse um porta-voz do centro.
Logo além da cerca, o parque estadual é habitat de coiotes e raposas. Em vez de usar métodos letais, incluindo armadilhas e caça, para proteger seu gado, o Stone Barns Center usa cães guardiões de gado para afugentar os predadores. Mas a cerca da fazenda frequentemente era ineficaz para conter o gado, segundo três ex-funcionários.
Cabras e porcos escaparam, disseram eles, e, em 2018, um rebanho de gado fugiu da fazenda. Um boi foi recuperado seis semanas depois, após uma busca que envolveu um helicóptero da Polícia Estadual de Nova York.
Os bois, disse o porta-voz da fazenda, foram enviados para a fazenda por engano e eram muito grandes para que a cerca da fazenda os segurasse. “Qualquer sugestão do The Times de que este incidente teve algo a ver com nosso programa ou práticas seria falsa”, escreveu ele em um e-mail. Ex-funcionários dizem que as fugas de gado eram uma ocorrência regular na fazenda.
“Costumava receber ligações do pessoal do parque uma vez por semana” sobre animais da fazenda encontrados na reserva, disse Mike Peterson, que trabalhou como diretor de gado de Stone Barns de 2018 até 2021.
“Essas afirmações são falsas – nunca foi comum para o nosso gado sair de seus cercados, e não é comum agora”, disse um porta-voz da fazenda.
Mas, segundo trabalhadores e o porta-voz da fazenda, os cães guardiões do gado da fazenda eram conhecidos por escapar das cercas. Isso é um problema, disse Costanzo. Se eles escaparem mesmo uma vez, concordaram ele e outros especialistas, os cães considerarão o parque estadual parte de seu território.
— Você não pode simplesmente deixar cães guardiões vagando pelo campo —, disse ele.
As opiniões de especialistas externos são irrelevantes nesta situação, afirmou a administração da fazenda.
“Um especialista não poderia credibilmente opinar sobre o que levou a este incidente sem ter conhecido nossos cães, aprendido sua história, percorrido nossos pastos e aprendido os detalhes sobre como operamos”, disse o porta-voz em um e-mail.
Funcionários e especialistas em cães guardiões descreveram as cercas móveis do centro como um meio primário de fuga. A rede não é mais alta do que três metros e meio.
— Isso não é alto o suficiente para impedir um cão guardião de gado de simplesmente pular sobre ela —, disse Costanzo.
Como muitos trabalhadores atuais e antigos do Stone Barns Center, Peterson, o ex-diretor de gado, se aproximou dos cães, chamando-os de “muito doces”. Ele disse que seu filho brincava com eles quando era criança.
No final da tarde de quinta-feira, o Stone Barns Center entrou com um recurso contra a ordem do juiz, que suspenderá a ordem de sacrificar os cães até que uma decisão seja tomada por um tribunal de apelações. Se um perdão for concedido, vários criadores locais e agricultores se ofereceram para adotar os cães.
Fonte: O Globo