Após campanha entre conservadores, três estados retiram livro premiado sobre racismo de escolas

Jeferson Tenório e a capa do livro 'O avesso da pele'
Jeferson Tenório e a capa do livro 'O avesso da pele' — Foto: Daniel Marenco e Reprodução

Após a diretora de uma escola em Santa Cruz do Sul (RS) acusar o premiado romance “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, de ter vocabulário de “baixo nível”, para vetar a obra no colégio, três estados recolheram o livro das suas redes de educação para avaliá-lo. A acusação gerou pressão de conservadores contra o romance vencedor do Prêmio Jabuti em 2021 e o Paraná, Mato Grosso do Sul e Goiás retiraram os exemplares das bibliotecas estudantis.

O livro integra o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do Ministério da Educação, que atende a escolas públicas de todo o país. A escolha das obras literárias a serem adotadas é feita pelos educadores de cada escola a partir de um Guia Digital. Traduzido em 16 idiomas, “O avesso da pele” foi incluído no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) por uma portaria em 2022, no governo Jair Bolsonaro, depois de selecionado por um edital de 2019.

Tenório afirmou nas redes sociais que as distorções e fake news são estratégias de uma extrema direita que promove a desinformação: “O mais curioso é que as palavras de ‘baixo calão’ e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras”.

O secretário de Educação do Paraná, Roni Miranda, negou que a decisão tenha sido motivada por questões raciais e afirmou que se outras obras forem denunciadas também serão analisadas:

— O objeto não é o conteúdo de combate ao racismo, mas a exposição do estudante ao vocabulário de sexo explícito, de baixo teor.

Segundo Miranda, a obra será analisada por uma equipe pedagógica e advogados especialistas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O secretário acrescentou que acionará o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Paraná para analisar o livro. A avaliação deve durar entre duas e três semanas, previu.

O caso levou a bancada do PSOL-Rede a pedir ao Ministério Público Federal um inquérito contra Miranda e o governador Ratinho Jr. por censura.

A Secretaria de Educação de Goiás também informou que o recolhimento foi para uma análise que determinará se ele poderá ou não ser distribuído. “O objetivo é assegurar que a obra que chegue à escola possa efetivamente contribuir com o desenvolvimento da aprendizagem”, informou.

No Mato Grosso do Sul, o recolhimento definitivo, foi determinado pelo governador Eduardo Riedel (PSDB). A Secretaria de Educação alegou que a medida foi tomada porque trechos da obra contêm “expressões impróprias” para a faixa etária da maioria dos estudantes da rede estadual (abaixo de 18 anos). Os exemplares ficarão no acervo da pasta.

Cerca de 250 artistas e intelectuais assinaram o manifesto “Contra a Censura à Literatura de Jeferson Tenório” por causa do episódio. Entre eles, os escritores Ailton Krenak e Mia Couto, o ator Antônio Fagundes, o médico e escritor Drauzio Varela, a filósofa Djamila Ribeiro e o cartunista e autor infantil Ziraldo.

A polêmica começou quando Janaina Venzon, diretora de uma escola estadual em Santa Cruz do Sul, publicou um vídeo nas redes sociais pedindo que exemplares fossem retirados da instituição e não fossem usados por professores. Janaina afirmou que era “lamentável o governo federal, através do MEC”, enviar um livro “com vocabulários de tão baixo nível para serem trabalhados com estudantes do ensino médio”. A publicação foi apagada.

Em novembro de 2023, a Secretaria de Educação de Santa Catarina, do governador bolsonarista Jorginho Mello (PL), ordenou a retirada das bibliotecas escolares de nove obras, incluindo a, estavam títulos como “It: A coisa”, de Stephen King, e “Laranja Mecânica”, de Anthony Burgess.

No mesmo ano, o escritor brasileiro Marçal Aquino teve seu livro “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” retirado do vestibular da Universidade de Rio Verde (UniRV), de Goiás, após uma campanha do deputado bolsonarista Gustavo Gayer (PL-GO), que classificou a obra como “pornográfica”.

Em 2021, uma professora foi afastada de uma turma no Colégio Vitória Régia, em Salvador, por indicar “Olhos d’água”, de Conceição Evaristo, após questionamentos de pais contra o livro, que trata da violência contra as mulheres negras.

No ano anterior, a Secretaria de Educação de Rondônia teve de recuar de decisão de recolher obras que considerou terem “conteúdos inadequados”, de autores como Machado de Assis, Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Franz Kafka e Edgar Allan Poe.

Em 2018, alunos do Colégio Santo Agostinho, na Zona Sul do Rio, protestaram contra a censura de “Meninos sem pátria”, de Luiz Puntel, sobre uma família exilada na ditadura. Pais haviam dito que o romance “doutrina crianças com ideologia comunista”.

Fonte: O Globo

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