Apagões em série em SP ilustram problema que se espalha pelo país, que bate recordes de queixas por falta de luz

Celular como lanterna: comerciante usa a luz de aparelho móvel para olhar o estoque de sua loja no edifício Copan, em São Paulo
Celular como lanterna: comerciante usa a luz de aparelho móvel para olhar o estoque de sua loja no edifício Copan, em São Paulo — Foto: Edilson Dantas

Os apagões em São Paulo, que nesta semana afetaram mais de 35 mil clientes, foram mais um episódio de um problema que se repete em série no Brasil. No ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) recebeu 68 mil reclamações de falta de luz, número 48% maior que o ano anterior. Em 2024, os registros cresceram e se for mantida a média de queixas por mês, haverá um novo recorde. Segundo especialistas, as redes de distribuição de energia não estão preparadas para o “novo normal” climático, com muitas quedas em tempestades e enchentes, e falham nas manutenções e rapidez de consertos.

No mês passado, o diretor-geral da Aneel , Sandoval Feitosa, afirmou que o setor precisa conviver com a nova realidade de seguidos eventos climáticos. Feitosa destacou quatro casos recentes que afetaram milhões de consumidores. Em junho do ano passado, 170 mil pessoas ficaram sem luz no Rio Grande do Sul, após fortes chuvas e rajadas de ventos de mais de 70 km/h. Um mês depois, um ciclone extratropical na Região Sul cortou a energia de 900 mil unidades do Rio Grande do Sul, 400 mil em Santa Catarina e 1,3 milhão no Paraná. Em novembro, além de São Paulo, o Rio também sofreu com tempestades, e 1,3 milhão de clientes de distribuidoras de energia foram afetados. Em janeiro, chuvas e ventos de mais de 90 km/h afetaram o abastecimento de luz de 400 mil unidades em São Paulo, no Rio e no Rio Grande do Sul.

Dono do restaurante Midbar, em Porto Alegre, José Antônio Fernandes sofreu com a perda de insumos ao longo dos dois dias e três noites sem luz em janeiro. O prejuízo que teve chegou a R$15 mil. Ele diz que acionou a CEEE Equtorial, empresa responsável pela energia elétrica na cidade. Mas a resposta demorou.

— É uma loteria, às vezes temos sorte de religarem rápido — reclama.

Com mais tempestades ou ondas de calor, redes de distribuição sucumbem. No fim do ano passado, a prefeitura de São Paulo e a Enel entraram em atrito após 4,2 milhões de residências ficarem sem luz em meio às fortes chuvas de novembro. A prefeitura chegou a acionar a empresa na Justiça e o então presidente da Enel Brasil, Nicola Cotugno, deixou o cargo. Uma das causas apontadas foi a queda de árvores sobre os fios. Mas a chuva ou a alta temperatura também impactam diretamente nos transformadores. Em setembro do ano passado, equipamentos no Mato Grosso explodiram durante a onda de calor.

A capital paulista enfrentou ontem o quinto dia seguido de blecaute. Dono do Café 10, na Rua Dom José Gaspar, no Centro antigo, Edimilson Silva afirma que ficou sem energia elétrica desde às 18h de quinta-feira. A luz só retornou por volta de 16h30m de ontem.

— Em 22 anos aqui, nunca aconteceu de ficar tanto tempo no escuro — conta Edimilson, que perdeu pelo menos uma dúzia e meia de bolos e mais de 120 salgados que estavam prontos. — Um técnico me disse que o problema foi a onda de calor, que sobrecarregou a rede, muito antiga e insuficiente. E o calor aquece o sistema de fornecimento de energia.

Apesar de concordarem que os eventos climáticos, cada vez mais intensos e frequentes, causam a maioria dos apagões, especialistas explicam que as empresas de distribuição precisam aperfeiçoar as estruturas e aumentar o número de funcionários para lidar com as ocorrências.

— As empresas precisam aumentar seus quadros e aprimorar a tecnologia — afirma Luiz Eduardo Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia e ex-diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). — A transmissão é quase toda aérea, e os ventos estão mais fortes. Além da necessidade de as prefeituras fazerem as podas, as torres de energia precisam ser mais robustas.

Diretor Executivo do International Energy Initiative (IEI Brasil), Rodolfo Gomes critica a fiscalização feita atualmente pela Aneel:

— Até que ponto a regulação e fiscalização vêm sendo efetivas para fazer com que as distribuidoras estejam preparadas?

O setor de energia também sofre com furtos de cabos e ligações clandestinas, principalmente em grandes cidades como Rio e São Paulo. A Light aponta que 25 mil clientes do Rio foram impactados em janeiro por furtos de cabos. Em relação aos “gatos”, o prejuízo foi de R$ 750 milhões em 2023.

A soma dos fatores resulta na crise. Nos últimos anos, as reclamações por quedas de energia registradas na Aneel dispararam. Em 2023, houve 68 mil queixas, número 48% maior que 2022 e 130% maior que 2018. Um estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em 2022, apontou que 28,4% das unidades consumidoras do país sofreram com queda de energia.

— Usualmente, o valor das compensações (financeiras ao cliente) é bem baixo e não cobre os prejuízos. Ficar em média 50 horas sem luz ao longo de 58 vezes no ano, como acontece no Norte, traz prejuízos consideráveis — afirma a coordenadora do programa de Energia do Idec, Renata Ribeiro.

Gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema), Ricardo Baitelo explica que o Brasil evoluiu na geração e transmissão de eletricidade. Mas precisas avançar no planejamento de distribuição e aproveitamento das diferentes fontes para diminuir desperdícios e garantir reserva suficiente em casos de emergências.

— A gente tende a olhar os eventos extremos muito na ponta, mas eles impactam todas as fontes — recomenda.

Procurada, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) destacou que, segundo últimos dados da Aneel, o consumidor ficou, em média, 10,4 horas sem luz no ano passado, contra 11,2 horas em 2022. A Abradee acrescentou que houve investimentos de R$ 31 bilhões em distribuição no ano passado, o dobro de 2020, e faz um estudo internacional sobre efeitos de eventos extremos.

A Aneel informou que vem intensificando e modernizando a fiscalização e a aplicação de multas, e entre 2018 e 2022 foram investidos R$ 80 bilhões no segmento de distribuição e 102 bilhões em investimentos estimados no segmento de transmissão nos leilões dos últimos cinco anos. A agência afirmou que aplicou 105 multas, somando R$1,3 bilhão, nos últimos cinco anos a distribuidoras e que o serviço tem melhorado, mas que algumas regiões do país estão mais vulneráveis “devido principalmente ao aumento de eventos climáticos intensos”.

Empresas de distribuição informaram que se preparam diante do aumento de tempestades. A Enel disse que investe em tecnologias para modernizar as redes, com R$ 8,3 bilhões gastos em São Paulo desde 2018. Segundo a empresa, a duração média de interrupção de energia melhorou 42% no Rio desde 2017. A Energisa, que atua em nove estados, informou investir R$ 16 bilhões e disse ter “forte preparação para eventos climáticos severos”. A Light respondeu que trabalha com esquemas especiais para responder “no menor tempo possível às demandas” e mantém as defesas civis informadas.

* Estagiária sob a supervisão de Alfredo Mergulhão

Fonte: O Globo

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