Ao contrário do Brasil, Elon Musk vive romance antigo com a China

Elon Musk
Elon Musk — Foto: Michael M. Santiago/Getty Images via AFP

Não seria exagero dizer que o bilionário Elon Musk sente-se mais à vontade na China que nos países que compõem sua tripla nacionalidade, África do Sul, Canadá e Estados Unidos. Em contraste com as polêmicas constantes em que se mete nas nações que lhe concederam passaporte, na China Musk segue uma trajetória sem solavancos, mantendo com as autoridades locais uma cooperação tão estreita que é descrita como “ simbiótica”.

Para começo de conversa, o dono do X (ex-Twitter) não tem na China o campo principal de seus embates recentes, já que a mídia social é bloqueada no país. Ainda que não fosse, é difícil imaginar ataques de Musk contra uma autoridade chinesa como os que fez ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Na China, os olhos de Musk estão fixados no faturamento de sua empresa de carros elétricos Tesla, que seria improvável se ele se arriscasse com caneladas no sistema.

O romance com o governo chinês tem como pano de fundo a “giga-fábrica” da Tesla em Xangai, que começou a ser construída em 2019 e foi fundamental para salvar a empresa da falência. Em 2022, quando Musk concluiu a compra do Twitter, a planta fechou o ano com US$ 18 bilhões de faturamento, quase um quarto da receita da empresa. Sem a China, talvez Musk não tivesse cacife para adquirir o Twitter por US$ 44 bilhões.

Para muitos é uma ironia difícil engolir que um país onde a rede social é bloqueada pela censura estatal tenha ajudado indiretamente a transferir o controle da plataforma a Musk, autoproclamado “absolutista da livre expressão”. Na época da compra, a maior preocupação sobre o futuro do Twitter nem eram as inclinações ideológicas de Musk, mas seus laços com o governo chinês. O temor era que ele suprimisse críticas a Pequim.

A suspeita tinha fundamento. Em sua biografia de Musk, Walter Isaacson conta que o empresário irritou-se com a jornalista conservadora Bari Weiss quando ela o questionou sobre como iria conciliar liberdade de expressão com seus negócios na China. Musk respondeu que a rede social deveria ser “cautelosa” com as palavras usadas sobre a China, incluindo temas como a repressão à minoria muçulmana uigur, que para ele “ tem dois lados”.

Não foram poucas as controvérsias em que Musk se envolveu desde que assumiu o controle do Twitter, a começar pela reativação da conta de Donald Trump, suspensa em 2021 depois que o ex-presidente americano incitou a invasão do Capitólio. Todas, supostamente em nome da livre expressão. Com a China, paz e amor. No ano passado Musk foi recebido com tapete vermelho em Pequim, onde se encontrou com altas autoridades, incluindo três ministros e o vice-premier Ding Xuexiang, um dos czares da economia chinesa.

A intimidade do bilionário com a elite chinesa começou como uma jogada de benefícios mútuos. A Tesla obteve privilégios jamais concedidos a uma firma automotiva estrangeira, como estabelecer-se sem um parceiro local, e disparou para tornar-se a número um do mundo. Do outro lado, era vantajoso ter em território chinês uma empresa pioneira no desenvolvimento de carros elétricos, setor estratégico para Pequim. Mas o sucesso “Made in China” da Tesla serviu de gatilho para empresas do país engolirem a concorrência. O próprio Musk alerta agora que sem barreiras elas “demolirão” as rivais do Ocidente. Nessa corrida, com ou sem Twitter, Musk parece admitir que perdeu.

Fonte: O Globo

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