Análise: extrema direita causou abalos na eleição para Parlamento Europeu, mas divergências ‘barram’ coalizão

Militantes do Reagrupamento Nacional aguardam divulgação de resultados na eleição para o Parlamento Europeu
Militantes do Reagrupamento Nacional aguardam divulgação de resultados na eleição para o Parlamento Europeu — Foto: JULIEN DE ROSA / AFP

Grande fato político da eleição para o Parlamento Europeu, o avanço da extrema direita no continente causou abalos sísmicos em países como a França, onde o presidente, Emmanuel Macron, dissolveu a Assembleia Nacional e convocou uma votação para o mês que vem. Um resultado que pode significar muito em termos locais, mas cuja eficácia no braço legislativo da União Europeia ainda é incerta.

— Houve recentemente uma ruptura nesse bloco, Marine Le Pen (do Reagrupamento Nacional) disse que não iria mais trabalhar com o Alternativa para a Alemanha (AfD, que deve conquistar cerca de 14 assentos) — disse ao GLOBO o professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) Kai Lehmann. — Há também brigas internas nacionais, como entre [Matteo] Salvini [vice-premier] e Meloni na Itália, e ninguém sabe como isso vai impactar as eleições e depois das eleições.

Principal força da extrema direita na Europa, o Reagrupamento Nacional, de Le Pen e da “estrela pop” desse campo, Jordan Bardella, impôs uma dura derrota a Macron, conquistando mais do que o dobro dos votos da coalizão do presidente. A decisão de convocar novas eleições, antecipando uma votação prevista para 2027, é um movimento arriscado do governo, e que pode entregar a Assembleia Nacional a Le Pen, que já considera que a extrema direita “está pronta” para assumir o poder.

— Estas eleições históricas mostram que quando o povo vota, o povo ganha — disse Le Pen, que na eleição presidencial de 2022, contra o próprio Macron, recebeu 13,2 milhões de votos, ou 41,45% dos votos válidos. — Depois das eleições legislativas de 2022, que permitiram designar o Reagrupamento Nacional como o principal adversário parlamentar [do governo], estas eleições europeias estabeleceram o nosso movimento como a grande força de mudança para França.

A vitória veio também na Áustria e na Holanda (em número de assentos), mas na Alemanha, o segundo lugar do Alternativa para a Alemanha (Afd) foi celebrado como se o partido (que foi expulso da aliança parlamentar de extrema direita no Parlamento Europeu) tivesse sido o mais votado. Apesar de escândalos envolvendo supostos laços com espiões chineses, pagamentos irregulares vindos da Rússia e declarações consideradas simpáticas ao passado nazista, a AfD recebeu 14,5% dos votos, segundo as projeções.

Outro destaque foi o Vox, que havia perdido força nas eleições gerais espanholas em 2023: a sigla recebeu 10% dos votos neste domingo, conquistando seis cadeiras no Parlamento, e aparecendo em terceiro na disputa, atrás do Partido Popular, de oposição, e do Partido Socialista, que controla o governo. Em uma surpresa de última hora, o antissistema Acabou-se a Festa, comandado pelo youtuber de direita Alvise Pérez, ficou em quarto.

Mas até que ponto esse avanço pode se configurar em uma nova força dentro do Parlamento Europeu é uma questão em aberto, explica Curd Knüpfer, professor de Ciência Política da Universidade Livre de Berlim.

— Muitos desses partidos têm as mesmas vantagens em seus países, mas não acho que isso funcione tão bem em nível transnacional. Eles costumam observar e aprender uns com os outros, mas a maioria é muito nacionalista. E isso acaba colocando-as em desvantagem quando se trata de formar coalizões — disse Knüpfer, em entrevista recente ao GLOBO.

O Partido Popular Europeu (EPP), principal agrupamento de centro-direita no continente, foi o grande vencedor das eleições de domingo, ampliando sua bancada em 13 assentos e chegando a 189 no total. Ao lado dos grupos parlamentares, de centro e centro-esquerda, o EPP vai apoiar a reeleição da atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, assim que seu nome tiver o aval dos líderes dos 27 países do bloco. Para ser reconduzida, ela precisa de ao menos 361 votos do Parlamento.

Para efeito de comparação, os Reformistas e Conservadores Europeus (ECR) e o Identidade e Democracia, que estão mais à direita no espectro político do bloco, somam 130 cadeiras, e poderiam ganhar mais algumas caso siglas que não fazem parte dos agrupamentos principais do Parlamento se unam a eles. Mas esse, como apontam especialistas, não é um cenário simples ou garantido, dadas as muitas diferenças entre si, desde questões econômicas até o futuro da União Europeia.

Ao longo da campanha, Von der Leyen sinalizou que poderia se aproximar de alguns setores da direita, em especial da premier italiana, Giorgia Meloni, cujo partido, o Irmãos da Itália (integrante do ECR) ficou em primeiro, com 28,5% dos votos. Apesar da coalizão que a apoia ter garantido ao menos 407 cadeiras, em 2019 ela foi eleita por uma margem estreita, e o voto secreto não garante que todos os membros da coalizão votem nela. O apoio de Meloni, que está longe de ser fechado, poderia trazer ao menos alguns dos membros do ECR para seu lado, mesmo diante do risco de alienar aliados como o Socialistas e Democratas, de centro-esquerda.

— Ela viajou muito para a Itália para se encontrar com Meloni, para falar sobre o novo pacto migratório da União Europeia, mas creio que ela não prestou muita atenção no impacto que isso causaria entre os Social-Democratas, que deveriam votar nela na falta de uma alternativa, e até de integrantes do EPP, do qual ela faz parte — disse Lehmann. — Creio que a matemática ficou muito difícil, porque ela não conseguiu conciliar a abertura à extrema direita com o diálogo com outros grupos, dos quais precisa para se eleger. Não é impossível, mas é difícil.

Em meio aos resultados deste domingo, o campo progressista conseguiu algumas poucas vitórias e sinais positivos para o futuro. Praticamente repetindo os números da última eleição geral, de Portugal em março, os Socialistas ficaram em primeiro, com 32,3% dos votos, ligeiramente à frente da Aliança Democrática (Centro Democrático Social-Partido Popular, Partido Social Democrata, Partido Popular Monárquico). O Chega, de extrema direita, teve 9,8% dos votos e apenas duas cadeiras no Parlamento.

Nos países nórdicos, os Social-Democratas (24,9%) ficaram em primeiro na Suécia, onde os Verdes (13,8%) e o Partido da Esquerda (11%) avançaram mais do que a extrema direita dos Democratas Suecos, que passou a ser a quarta força do país (13,8%). Na Finlândia, o partido de esquerda Aliança ficou em segundo, com 17,3% dos votos, enquanto o Partido dos Finlandeses, de extrema direita e membro da coalizão governamental, caiu para 7,6%, 6,2 pontos percentuais a menos do que em 2019.

Na Hungria, o Fidesz, do premier Viktor Orbán, confirmou o favoritismo e ficou em primeiro lugar, mas com o pior resultado em 14 anos, 43,8%, e viu o oposicionista Tisza (centro-direita), de Peter Magyar, surgir no retrovisor com 30% dos votos, e se consolidar como principal ameaça ao governo atual.

Fonte: O Globo

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