O Tribunal de Justiça do Amapá condenou, nesta quarta-feira, a empresa aérea Latam a indenizar em R$ 15 mil um homem trans que foi impedido de embarcar em um voo de Macapá para Belém. Pedro Henrique de Oliveira planejou a viagem com quatro meses de antecedência para ver um show, mas não teve seu embarque autorizado por um funcionário que não aceitou seu documento oficial.
O objetivo de Pedro era chegar à capital paraense na véspera de um show para o qual já tinha comprado também os ingressos. Mas, no momento do embarque, apesar de estar com a certidão de nascimento em seu novo nome e a identidade em seu nome antigo, funcionários da empresa aérea não autorizaram seu embarque na aeronave devido à divergência entre o nome constante do bilhete de embarque e o que consta no seu documento de identificação com foto.
Pedro chegou a informar aos funcionários da Latam que iria a um show em Belém, mas não houve nenhuma solução apresentada para que ele embarcasse no voo que adquiriu. A solução da empresa foi remarcar a passagem para o dia seguinte. Segundo Pedro, nesta segunda tentativa de embarque, não foi exigida a apresentação de qualquer documento de identificação.
Em defesa, a Latam negou falha na prestação dos serviços e atribuiu ao passageiro a responsabilidade pelo não embarque por deixar de apresentar o documento de identificação com foto contendo o seu novo nome, correspondente àquele constante da reserva emitida. Apesar disso, a juíza do caso apontou que não havia controvérsia quanto à emissão do bilhete no novo nome de Pedro e que, no momento do embarque, ele apresentou certidão de nascimento atualizada e RG emitido com seu antigo nome.
A companhia aérea tentou se justificar apresentando na Justiça a documentação exigida para embarque de passageiros com nome social, mas segundo a magistrada, estas regras não se aplicam no caso de Pedro.
“Embora a requerida haja fundamentado sua defesa no fato de que o autor não poderia embarcar com ‘nome social’ no bilhete diverso de seu nome civil, a situação é diversa. Na verdade, Pedro já contava com seu novo nome civil, tanto é assim que apresentou sua certidão de nascimento atualizada no momento do embarque. Não se tratava de ‘nome social’, como quer fazer crer a ré, mas do nome reconhecido juridicamente como tal”, disse na sentença.
De acordo com a magistrada, havia somente divergência entre o nome constante da certidão de nascimento atualizada e no RG apresentado. “Não se pode alegar que era impossível verificar a identidade do passageiro no momento do embarque, visto que os documentos, em conjunto, possibilitavam a completa identificação dele (o RG contém foto, em conjunto com a certidão, que contém o nome constante do bilhete).
Ela ressaltou ainda que os dois documentos mencionam a filiação (nomes dos pais) e a data de nascimento (idênticas, por óbvio), além da informação de que Pedro não tem irmão ou irmã gêmeo ou gêmea, “o que exclui a possibilidade de que se tratasse de pessoa nascida dos mesmos pais, no mesmo dia”.
Ao finalizar o caso, a juíza ainda fez questão de registrar que o ordenamento jurídico brasileiro “repudia com veemência qualquer tratamento discriminatório baseado em orientação sexual ou identidade de gênero”, e citou inclusive a Constituição Federal de 1988, que “consagra como direito fundamental a igualdade (art. 5º) e a dignidade da pessoa humana” entre os fundamentos da República (art. 1º, III, CF).
“O ato atingiu pessoa que, por sua própria condição, já é vulnerável, em momento em que estava construindo uma nova história (pois acabara de adequar seu registro civil) e que, por isso, estava mais sensível a ações de discriminação”, finaliza a juíza Sara Zolandek.
Fonte: O Globo