77% dos servidores do MP no Brasil dizem ter sofrido assédio, diz estudo

FOTO/ EMANUEL AMARAL// ASSEDIO MORAL// FOTOS/RELEASE/EMANUEL

Mais da metade dos trabalhadores que atuam no Ministério Público nos 26 estados e no Distrito Federal já passaram por constrangimentos emocionais. Uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), encomendada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), aponta que 77,2% dos entrevistados afirmaram ter sido vítimas de assédio, dos quais 50,1% declararam ter sido alvo de atos hostis frequentes e 27,1% disseram ter sofrido violência psicológica; 6,7% disseram já ter pensado em tirar a própria vida. Os dados são nacionais, uma vez que o estudo não traz recortes por estados. Procurado, o MPRN negou que haja denúncias formais sobre assédio atualmente na instituição.

O Sindicato dos Servidores do Ministério Público do Rio Grande do Norte (Sindsemp-RN) também informou não haver nenhuma denúncia oficial. “A pesquisa apresenta um alto grau de assediados [em todo o Brasil], mas a vítima tem receio de colocar isso no papel, por medo de represália e perseguição”, disse Aldo Clemente, presidente do Sindsemp-RN. “Estamos atentos. Tem uma comissão formada no MP de enfrentamento a esses casos. O Sindicato está aberto para receber denúncias e dar todo apoio, inclusive, com assessoria jurídica e acompanhamento psicológico”, completou. A reportagem apurou, no entanto, que existem diversos relatos de importunações constantes, no âmbito do órgão estadual.

Segundo o MPRN, em janeiro do ano passado foi implantado o Comitê de Prevenção e Enfrentamento dos Assédios Moral e Sexual na instituição. “A intenção é implementar mecanismos que proporcionem o fortalecimento dos vínculos sociais e profissionais entre os integrantes, visando garantir um ambiente de trabalho saudável e uma cultura institucional fundada no respeito mútuo”, disse o Ministério Público Estadual. De acordo com o órgão, desde a institucionalização do Comitê, apenas uma denúncia foi formalizada.

A oficialização da denúncia, disse o MPRN, resultou “na instauração de procedimento interno, o qual, após entendimento entre as partes envolvidas, veio a ser arquivado”. Conforme explicou o MP, dentre outras atividades, compete ao Comitê diagnosticar possíveis situações que possam gerar danos à saúde mental de membros, servidores e estagiários, estabelecendo metas para saná-las.

“O Comitê também funciona recebendo notícias de condutas que possam configurar modalidade de assédio ou discriminação nas relações socioprofissionais e no ambiente de trabalho, oferecer orientação à vítima atendida e, caso queira formalizar denúncia, reduzir a termo e dar encaminhamento”, informou o MPRN.

Servidores responderam questionário

A pesquisa intitulada “Atenção à Saúde Mental de Membros e Servidores do Ministério Público: fatores psicossociais no trabalho no contexto da pandemia de Covid-19″, foi realizada pela Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAURGS) entre julho e agosto de 2021 [período em que a maioria dos trabalhadores atuava em home office] e concluída em outubro daquele mesmo ano, com membros e servidores do Ministério Público Brasileiro. A coleta de dados foi feita on-line, através de questionário autoaplicado.

O Nordeste contribuiu com a participação de 21,3% dos respondentes no levantamento. A pesquisa indica que 85,6% dos entrevistados totais apresentaram risco de adoecimento ou transtornos mentais, manifestados por meio de sintomas somáticos, ansiedade e depressão. Quando os trabalhadores foram questionados se tinham começado algum tratamento de saúde mental após o ingresso na instituição e se esse tratamento teria relação com o trabalho, 42,2% responderam ‘sim’ à questão, sendo que 16,5% afirmaram ter buscado apoio com um psicólogo, 6% recorreram a um psiquiatra e 19,9%, a ambos.

O estudo revela que os atos considerados hostis foram praticados, na grande maioria das vezes, por superiores hierárquicos (15,3%), como subprocuradores, membros e assessores (comissionados ou em cargos efetivos). As mulheres são as mais atingidas (59,9%); homens somaram 39,8%; demais categorias – queer, não binário e outras, formaram um quantitativo de 0,3%.

Dos trabalhadores afetados, mostra a pesquisa, 73% responderam que possuem humor depressivo-ansioso (se sentem nervosos, tensos ou preocupados); 52% disseram encontrar dificuldades para realizar as atividades diárias com satisfação e têm pensamentos depressivos; 56% dormem mal; e 48% indicaram cansar-se com facilidade. De acordo com Aldo Clemente, presidente do Sindsemp-RN, os dados serão utilizados para embasar uma reivindicação dos trabalhadores para a criação de um programa de saúde mental.

Ele participou, entre os dias 26 e 28 de março, do Encontro Nacional dos Servidores do MP, em Brasília, evento em que o tema da saúde mental dos integrantes do órgão entrou em pauta. “No último dia, houve um ato em frente ao CNMP para cobrar a resolução que cuida da saúde mental dos servidores”, esclareceu Clemente. A proposta de regulamentação do programa foi protocolada no Conselho em 2021 junto com a apresentação da pesquisa encomendada pelo próprio CNMP.

Tentativa de triplo homicídio no MPRN

No Rio Grande do Norte, um caso de 2017, chamou atenção: o técnico contábil do Ministério Público do Rio Grande do Norte, Guilherme Wanderley Lopes da Silva abriu fogo contra os procuradores geral e adjunto de Justiça, Rinaldo Reis Lima e Jovino Pereira Sobrinho, respectivamente, além do coordenador Jurídico Administrativo da instituição, o promotor Wendell Beetoven Ribeiro Agra. A motivação provável seria “inconformismo funcional”.

À época, o Sindsemp-RN propôs a criação de uma comissão que serviria como uma ‘Ouvidora Interna’ para o recebimento de reclamações de servidores quanto à gestão administrativa do órgão. O então presidente do Sindicato, Luiz Felipe Paz de Almeida, disse à TRIBUNA DO NORTE, na ocasião, que havia “vários relatos de opressão e que alguns servidores jovens tinham se aposentado” – nos quatro anos anteriores à tentativa de triplo homicídio – “por problemas psiquiátricos ”.

Em reportagem publicada pelo jornal Folha de S. Paulo no último sábado (25), a psicóloga Silvia Generali da Costa, que participou da pesquisa do Conselho Nacional do Ministério Público, disse que as denúncias de assédio têm crescido nas instituições públicas com estruturas mais rígidas, como é o caso do MP. “O assédio é institucional. Isso se agrava em instituições como o Ministério Público, cuja estrutura é uma pirâmide, com um grupo pequeno no comando, que tem diferenças de status, poder e recompensas. Falta treinamento para a gestão também. Um promotor faz concurso para trabalhar com direito, não para gerir pessoas”, avaliou a especialista.

Da Tribuna do Norte

© 2024 Blog do Marcos Dantas. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.