Ucrânia anuncia retirada de tropas de Vuhledar, considerada ‘bastião de defesa’ no leste do país

Integrante da 72ª Brigada do Exército da Ucrânia faz disparo de artilharia nos arredores de Vuhledar
Integrante da 72ª Brigada do Exército da Ucrânia faz disparo de artilharia nos arredores de Vuhledar — Foto: Tyler Hicks/The New York Times

A Ucrânia anunciou nesta quarta-feira que suas forças abandonaram as linhas de defesa em Vuhledar, na região de Donetsk, após mais de dois anos e meio de resistência aos ataques das forças russas. Segundo observadores militares, a Rússia já assumiu o controle da cidade, aumentando a sequência de vitórias no campo de batalha para Moscou.

“O Alto Comando deu permissão para uma manobra para retirar unidades de Vuhledar a fim de salvar pessoal e equipamento militar e tomar uma posição para futuras operações”, disse o grupo de tropas Khortytsia, que opera na área, em uma postagem do Telegram. Na mensagem, a unidade afirmou que, apesar das perdas das forças russas, “havia uma ameaça de cerco” aos ucranianos.

Nos últimos dias, militares ucranianos apontavam que a manutenção do controle de Vuhledar, considerada um bastião de defesa de Kiev no leste do país, estava cada vez mais difícil, e que a a queda para os russos “era questão de tempo”.

— [Vuhledar é conhecida como] uma cidade fortaleza, uma área fortificada em um planalto que foi construída ao longo de muitos anos. Era para resistir, mas, infelizmente, estamos chegando ao ponto em que a cidade está praticamente cercada — disse o analista militar ucraniano Ivan Stupak, em entrevista ao The Moscow Times.

Criada nos anos 1960 como uma cidade carvoeira pela União Soviética, e com uma população de cerca de 14 mil pessoas antes do início da guerra, Vuhledar era um dos principais pontos de resistência no leste da Ucrânia desde março de 2022. Sua posição elevada era usada pelos ucranianos para realizar ataques contra as forças da Rússia, e sua localização entre duas linhas de frente — leste e sul — lhe dava importância estratégica regional. No ano passado, russos e ucranianos travaram ali a maior batalha de tanques da guerra, que se estendeu por três semanas.

— A cidade pode ser comparada às antigas fortalezas, uma vez que também fica no alto. É um pequeno pedaço de concreto, há campos ao nosso redor, vilarejos ao nosso redor, e um lago diante de nós. Se olhar no mapa, há um rio ao sul — afirmou, em 2023, Mykola Voroshnov, soldado ucraniano, em declarações publicadas em redes sociais.

Nos últimos dois anos e meio, os russos empregaram grandes recursos e tiveram perdas consideráveis na área, mas a situação pareceu mudar durante o verão no Hemisfério Norte, quando as forças de Moscou receberam reforços e impuseram um domínio numérico sobre os ucranianos. Ao invés de lançar ataques urbanos diretos, a estratégia passou a ser de cercar a cidade, surpreendendo as linhas de defesa.

Na segunda-feira, mapas divulgados pelo site DeepState, mostravam que os russos conseguiram bloquear a única entrada ainda disponível efetivamente cercando a principal força de defesa, a 72ª Brigada Mecanizada. Dois dias depois, chegou a ordem para a retirada.

“Na tentativa de tomar o controle da cidade a qualquer custo, o inimigo conseguiu direcionar reservas para realizar ataques de flanco, o que esgotou a defesa de nossas unidades”, explicou a brigada, em mensagem no Telegram.

Relatos de soldados ucranianos mostram para um cenário caótico antes mesmo do anúncio oficial da retirada, especialmente porque a única rota de saída já estava sob controle russo, e era alvo frequente de foguetes e drones.

— Tentamos enviar suprimentos, organizar a evacuação de nossos soldados feridos e mortos, mas sem sucesso — afirmou, em declarações à BBC, Roman, um soldado da 72ª Brigada.— Perdemos vários veículos e então tivemos que parar [tais operações].

Blogueiros militares russos apontam para o controle total da área urbana, e vídeos divulgados no Telegram mostram soldados com bandeiras russas e da União Soviética em telhados e no topo de prédios. Contudo, as autoridades pró-Moscou preferem a cautela.

— Na verdade, nossos militares já estão em Vuhledar, uma bandeira russa está instalada no prédio da administração local. No entanto, é prematuro falar em tomar a cidade: unidades dispersas das Forças Armadas Ucranianas permanecem lá. levará algum tempo — disse à agência RIA o conselheiro-chefe da administração aliada à Rússia em Donetsk, Ian Gagin.

A vitória em Vuhledar engrossa a lista de sucessos militares russos nas últimas semanas em Donetsk, que pode culminar com a conquista de Pokrovsk, localizada em um entroncamento viário importante para o suprimento de tropas nas linhas de frente. Hoje, os ucranianos estão no controle da área, mas sob ataques cada vez mais intensos — analistas militares afirmam que a realocação de unidades de Vuhledar para a defesa de Pokrovsk contribuiu para sua queda.

Os avanços, que prosseguiram mesmo após uma incursão ucraniana em Kursk, na Rússia, aproximam o presidente russo, Vladimir Putin, de conquistar na totalidade a região de Donetsk, no que poderia ser apontada como o principal feito de Moscou na invasão. Na semana passada, em discurso na Assembleia Geral da ONU e em conversas com lideranças em Nova York, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, reconheceu a situação complexa no leste, e cobrou os aliados ocidentais por mais verbas e pela permissão para usar suas armas em ataques mais profundos em solo russo — até o momento, sem sucesso.

Fonte: O Globo

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