A maior parte das pessoas é motivada por sentimentos de otimismo e pessimismo quando precisa lidar com uma situação decisiva, de uma entrevista de emprego à torcida pelo time de futebol ou de um flerte a uma eleição como a dos Estados Unidos neste momento. Experiências anteriores impactam na maioria das vezes na forma como lidamos com estas situações. Uma gafe quando somos entrevistados por um potencial empregador pode nos deixar mais inseguros quando buscarmos outro emprego no futuro. Torcer por um time que liderava com ampla vantagem o Campeonato Brasileiro e caiu nas rodadas finais certamente deixa botafoguenses receosos de que algo irá mal mesmo com o claro favoritismo para serem campeões nacionais e da Libertadores no ano seguinte.
Muitos democratas têm um trauma enorme da derrota de Hillary Clinton para Donald Trump nas eleições de 2016. Tudo parecia certo para a primeira mulher ser eleita presidente dos EUA após mais de dois séculos com apenas homens no poder. As projeções e as bolsas de apostas davam um favoritismo de 70% a 85% para a democrata. Nas pesquisas, parecia que ela levava vantagem, ainda que pequena, não apenas no voto nacional como no Colégio Eleitoral.
O adversário era Trump e parecia inconcebível que a população americana fosse eleger essa figura acusada de xenofobia, racismo, misoginia e absolutamente sem nenhuma experiência política. Hillary havia sido senadora e secretária de Estado. Aqui em Nova York, uma enorme celebração estava preparada em um centro de convenções. Sequer o adversário republicano parecia acreditar na vitória porque não havia organizado uma celebração. Foi quando começou a apuração. O entusiasmo dos democratas aos poucos virou choque. Ficaram atônitos. A Flórida, na época ainda um estado sem predomínio de um partido, foi para o lado de Trump por pouco mais de um ponto percentual. Na sequência, Michigan, Wisconsin e Pensilvânia, estados historicamente democratas, também foram vencidos pelo republicano por margens inferiores a um ponto percentual em duro golpe para Hillary. Os americanos que haviam ido dormir acordaram na quarta-feira com a notícia de que Trump fora eleito presidente dos EUA.
No dia seguinte, Nova York, onde Hillary teve 86% dos votos contra 9% de Trump, parecia o palco de um gigantesco funeral. O resultado surpreendeu a todos, embora houvesse indicações de que uma vitória do republicano era possível — apesar de no voto nacional as pesquisas terem acertado, houve um claro erro especialmente em lugares como Michigan.
A vitória de Joe Biden quatro anos mais tarde não foi suficiente para acabar com o trauma. A margem foi pequena no Colégio Eleitoral e houve um sentimento de que, sem a pandemia, talvez Trump fosse reeleito. Diante desse contexto, muitos democratas chegam à eleição deste ano ainda traumatizados e já construindo em suas cabeças o cenário de derrota de Kamala. Para agravar, as projeções e as bolsas de apostas colocam Trump levemente como favorito, apesar de as pesquisas apontarem empate.
Como botafoguenses, que temem sempre o Palmeiras na cola no Brasileiro e um poderoso Atlético na Libertadores, os democratas preferem esperar a abertura das urnas, tendo consciência de que o pior pode acontecer. É a experiência de frustrações e traumas anteriores que os deixa pessimistas, da mesma forma que ocorre com os torcedores do Botafogo (que será campeão brasileiro, mas terá um desafio na Libertadores, assim como Kamala nas eleições).
Fonte: O Globo