Após ampla vitória nas eleições, o presidente eleito Donald Trump agora tem a tarefa de escolher aqueles que o acompanharão nos próximos quatro anos na Casa Branca, preenchendo uma lista de cerca de 4 mil cargos com aliados leais e prontos para transformar suas promessas de campanha em realidade. O principal requerimento, porém, é a lealdade ao chefe, e não necessariamente o currículo, uma lógica diferente da que orientou a formação de seu primeiro governo em 2016, quando buscou nomes com experiência nos trâmites de poder em Washington. Com a nomeação da chefe de Gabinete, Susie Wiles, e mais nomes já sendo aventados para outras importantes funções no governo, há gargalos pelo caminho por conta dos atrasos da equipe de transição do republicano, que podem comprometer o processo.
Na quinta-feira, o presidente Joe Biden disse que sua administração está fazendo de tudo para garantir que a transferência de poder seja “ordenada” e que honrará a Constituição.
— É isso que o povo americano merece — disse. —Em 20 de janeiro, teremos uma transferência pacífica de poder aqui na América.
Sob o chamado Presidential Transition Act, os candidatos começam a montar equipes de transição seis meses antes das eleições acontecerem. Há diretrizes a serem seguidas, e o governo cessante contribui com apoio logístico e financeiro para a equipe de transição do novo presidente, garantindo que tudo funcione sem problemas durante a rotatividade.
Todo o processo dura em torno de dois meses e prepara o terreno para a posse, em 20 de janeiro. Além da distribuição dos cargos a serem preenchidos, há também o compartilhamento de informações de inteligência do governo cessante para o seguinte.
Porém, até agora, a campanha de Trump, ao contrário da equipe da vice-presidente Kamala Harris, ainda não deu início formal ao processo. Prazos importantes para a assinatura de acordos foram perdidos, e a equipe também não havia firmado um plano de ética exigido para iniciar o planejamento de uma nova administração.
Ao não assinar os documentos, apontam analistas, Trump consegue contornar limites de financiamento privado e regras de ética que evitariam conflitos de interesse para a nova gestão. O atraso compromete serviços governamentais e milhões de dólares em financiamento, além de impedir que assessores obtenham autorizações de segurança para revisar registros federais.
Representantes da equipe de Trump — presidida por Linda McMahon, que liderou a Administração de Pequenas Empresas durante o primeiro mandato do republicano, e pelo CEO da Cantor Fitzgerald, Howard Lutnick — dizem que estão negociando com o governo Biden e negam qualquer dificuldade.
— Uma transição eficaz leva a uma administração eficaz — disse ao New York Times Heath Brown, professor de políticas públicas no John Jay College. — Acho que a equipe de transição de Trump não tem certeza do quanto eles querem jogar pelas regras.
Trump já quebrou convenções nessa frente antes. Em 2016, sua campanha organizou o que parecia ser um processo de transição padrão. Porém, depois da vitória, mudou bruscamente de curso, demitindo a liderança de sua equipe de transição e cortando as comunicações com o governo de Barack Obama. Quatro anos depois, a transição entre ele e Biden foi atrasada porque o republicano contestou o resultado da eleição por semanas, bloqueando o início do processo até que os tribunais rejeitassem suas alegações de fraude.
Apesar dos problemas, a nomeação de pessoas para altos cargos do governo começou ontem. O primeiro posto a ser preenchido foi o de chefe de Gabinete, que será de Susie Wiles, gerente da campanha do republicano e uma de suas conselheiras mais antigas. Essa também será a primeira vez que uma mulher ocupará tal função na Casa Branca.
Mas ainda há outros cargos importantes a serem definidos e o plano é que, diferentemente do seu primeiro mandato — quando formou um gabinete com republicanos tradicionais e líderes empresariais, que posteriormente romperam com ele —, Trump agora busca priorizar a lealdade, escolhendo aliados mais alinhados com suas crenças e estilo direto de governar.
Esse caminho já foi explicitado por seu filho Donald Trump Jr. durante a Convenção Nacional Republicana, em julho. Presidente de honra da equipe de transição, ele deixou claro na ocasião, em entrevista ao site Axios, que iriam barrar o caminho de “mentirosos”. Já Lutnick disse no mês passado que os nomeados terão de provar “sua lealdade e fidelidade” às as políticas do presidente, mas também a ele próprio.
Uma das principais decisões adiante será escolher o responsável pelo Departamento de Defesa, posição estratégica para lidar com um cenário global muito mais complexo e tenso do que o de 2016.
Entre os candidatos potenciais ao cargo estão Mike Pompeo, ex-secretário de Estado de Trump, que teria o desafio de equilibrar sua posição de apoio à defesa da Ucrânia com uma postura mais moderada. Outros cotados são Mike Waltz, ex-membro das Forças Especiais americanas e congressista da Flórida, e o senador Tom Cotton, veterano de guerra que quase foi escolhido para o cargo em 2016, mas foi preterido em favor de Jim Mattis, com quem Trump teve divergências em várias questões estratégicas e ideológicas.
Outra decisão crucial é a do próximo secretário do Tesouro. Com inflação e juros altos, Trump herdará um cenário econômico turbulento da administração Biden. E seus planos como o aumento de tarifas de importação e a deportação em massa de imigrantes preocupam economistas, pois podem impactar ainda mais a economia americana.
Para enfrentar os desafios do cargo, estão cotados o bilionário John Paulson, que apoiou ativamente a campanha de Trump com ao menos US$ 50,5 milhões; e Lutnick, coordenador da equipe de transição, alinhado com a ideia de taxar importações da China. Scott Bessent, ex-gerente financeiro, e Robert Lighthizer, advogado experiente em disputas comerciais com a China, também são mencionados.
A escolha do novo secretário de Estado dos EUA também desperta grande interesse global, dado o papel do cargo nas relações exteriores da maior potência econômica e militar do mundo. O nome mais falado é o do senador Marco Rubio, da Flórida, conhecido por uma postura firme contra a normalização de relações com países como Cuba e Irã. Apesar de algumas divergências com Trump, como seu apoio declarado à Ucrânia e sua defesa da permanência dos EUA na Otan, Rubio é visto como o mais forte candidato ao cargo.
Outro nome cotado é o do senador Bill Hagerty, do Tennessee, que tem laços próximos com Trump e experiência diplomática como ex-embaixador no Japão. Richard Grenell, o primeiro membro assumidamente gay de um gabinete presidencial, e Ronald O’Brien, ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump, também são considerados.
Outro nome que figura na lista de cotados é o do bilionário Elon Musk, homem mais rico do mundo, CEO da Tesla e dono da rede social X, que investiu cerca de US$ 130 milhões na campanha de Trump. Musk já sugeriu a criação de uma “comissão de eficiência” para cortar custos no governo, ideia que Trump acolheu, indicando a possibilidade de um novo cargo de “secretário de corte de gastos” para o empresário. Mas não há qualquer confirmação sobre tal função.
Além de Musk, Robert Kennedy Jr., ex-membro do Partido Democrata, também é mencionado como possível integrante do Gabinete, podendo ser indicado para a Secretaria de Agricultura, Secretaria de Serviços Humanos e Saúde, ou algum cargo em agências como o FDA (Food and Drug Administration, que tem papel semelhante ao da Anvisa no Brasil).
Fonte: O Globo