Transição de poder já tem gargalos, e lealdade é fator básico para compor o ‘team Trump’

Donald Trump durante um evento na noite da eleição no Palm Beach Convention Center em West Palm Beach, Flórida
Donald Trump durante um evento na noite da eleição no Palm Beach Convention Center em West Palm Beach, Flórida — Foto: Bloomberg

Após ampla vitória nas eleições, o presidente eleito Donald Trump agora tem a tarefa de escolher aqueles que o acompanharão nos próximos quatro anos na Casa Branca, preenchendo uma lista de cerca de 4 mil cargos com aliados leais e prontos para transformar suas promessas de campanha em realidade. O principal requerimento, porém, é a lealdade ao chefe, e não necessariamente o currículo, uma lógica diferente da que orientou a formação de seu primeiro governo em 2016, quando buscou nomes com experiência nos trâmites de poder em Washington. Com a nomeação da chefe de Gabinete, Susie Wiles, e mais nomes já sendo aventados para outras importantes funções no governo, há gargalos pelo caminho por conta dos atrasos da equipe de transição do republicano, que podem comprometer o processo.

Na quinta-feira, o presidente Joe Biden disse que sua administração está fazendo de tudo para garantir que a transferência de poder seja “ordenada” e que honrará a Constituição.

— É isso que o povo americano merece — disse. —Em 20 de janeiro, teremos uma transferência pacífica de poder aqui na América.

Sob o chamado Presidential Transition Act, os candidatos começam a montar equipes de transição seis meses antes das eleições acontecerem. Há diretrizes a serem seguidas, e o governo cessante contribui com apoio logístico e financeiro para a equipe de transição do novo presidente, garantindo que tudo funcione sem problemas durante a rotatividade.

Todo o processo dura em torno de dois meses e prepara o terreno para a posse, em 20 de janeiro. Além da distribuição dos cargos a serem preenchidos, há também o compartilhamento de informações de inteligência do governo cessante para o seguinte.

Porém, até agora, a campanha de Trump, ao contrário da equipe da vice-presidente Kamala Harris, ainda não deu início formal ao processo. Prazos importantes para a assinatura de acordos foram perdidos, e a equipe também não havia firmado um plano de ética exigido para iniciar o planejamento de uma nova administração.

Ao não assinar os documentos, apontam analistas, Trump consegue contornar limites de financiamento privado e regras de ética que evitariam conflitos de interesse para a nova gestão. O atraso compromete serviços governamentais e milhões de dólares em financiamento, além de impedir que assessores obtenham autorizações de segurança para revisar registros federais.

Representantes da equipe de Trump — presidida por Linda McMahon, que liderou a Administração de Pequenas Empresas durante o primeiro mandato do republicano, e pelo CEO da Cantor Fitzgerald, Howard Lutnick — dizem que estão negociando com o governo Biden e negam qualquer dificuldade.

— Uma transição eficaz leva a uma administração eficaz — disse ao New York Times Heath Brown, professor de políticas públicas no John Jay College. — Acho que a equipe de transição de Trump não tem certeza do quanto eles querem jogar pelas regras.

Trump já quebrou convenções nessa frente antes. Em 2016, sua campanha organizou o que parecia ser um processo de transição padrão. Porém, depois da vitória, mudou bruscamente de curso, demitindo a liderança de sua equipe de transição e cortando as comunicações com o governo de Barack Obama. Quatro anos depois, a transição entre ele e Biden foi atrasada porque o republicano contestou o resultado da eleição por semanas, bloqueando o início do processo até que os tribunais rejeitassem suas alegações de fraude.

Apesar dos problemas, a nomeação de pessoas para altos cargos do governo começou ontem. O primeiro posto a ser preenchido foi o de chefe de Gabinete, que será de Susie Wiles, gerente da campanha do republicano e uma de suas conselheiras mais antigas. Essa também será a primeira vez que uma mulher ocupará tal função na Casa Branca.

Mas ainda há outros cargos importantes a serem definidos e o plano é que, diferentemente do seu primeiro mandato — quando formou um gabinete com republicanos tradicionais e líderes empresariais, que posteriormente romperam com ele —, Trump agora busca priorizar a lealdade, escolhendo aliados mais alinhados com suas crenças e estilo direto de governar.

Esse caminho já foi explicitado por seu filho Donald Trump Jr. durante a Convenção Nacional Republicana, em julho. Presidente de honra da equipe de transição, ele deixou claro na ocasião, em entrevista ao site Axios, que iriam barrar o caminho de “mentirosos”. Já Lutnick disse no mês passado que os nomeados terão de provar “sua lealdade e fidelidade” às as políticas do presidente, mas também a ele próprio.

Uma das principais decisões adiante será escolher o responsável pelo Departamento de Defesa, posição estratégica para lidar com um cenário global muito mais complexo e tenso do que o de 2016.

Entre os candidatos potenciais ao cargo estão Mike Pompeo, ex-secretário de Estado de Trump, que teria o desafio de equilibrar sua posição de apoio à defesa da Ucrânia com uma postura mais moderada. Outros cotados são Mike Waltz, ex-membro das Forças Especiais americanas e congressista da Flórida, e o senador Tom Cotton, veterano de guerra que quase foi escolhido para o cargo em 2016, mas foi preterido em favor de Jim Mattis, com quem Trump teve divergências em várias questões estratégicas e ideológicas.

Outra decisão crucial é a do próximo secretário do Tesouro. Com inflação e juros altos, Trump herdará um cenário econômico turbulento da administração Biden. E seus planos como o aumento de tarifas de importação e a deportação em massa de imigrantes preocupam economistas, pois podem impactar ainda mais a economia americana.

Para enfrentar os desafios do cargo, estão cotados o bilionário John Paulson, que apoiou ativamente a campanha de Trump com ao menos US$ 50,5 milhões; e Lutnick, coordenador da equipe de transição, alinhado com a ideia de taxar importações da China. Scott Bessent, ex-gerente financeiro, e Robert Lighthizer, advogado experiente em disputas comerciais com a China, também são mencionados.

A escolha do novo secretário de Estado dos EUA também desperta grande interesse global, dado o papel do cargo nas relações exteriores da maior potência econômica e militar do mundo. O nome mais falado é o do senador Marco Rubio, da Flórida, conhecido por uma postura firme contra a normalização de relações com países como Cuba e Irã. Apesar de algumas divergências com Trump, como seu apoio declarado à Ucrânia e sua defesa da permanência dos EUA na Otan, Rubio é visto como o mais forte candidato ao cargo.

Outro nome cotado é o do senador Bill Hagerty, do Tennessee, que tem laços próximos com Trump e experiência diplomática como ex-embaixador no Japão. Richard Grenell, o primeiro membro assumidamente gay de um gabinete presidencial, e Ronald O’Brien, ex-conselheiro de Segurança Nacional de Trump, também são considerados.

Outro nome que figura na lista de cotados é o do bilionário Elon Musk, homem mais rico do mundo, CEO da Tesla e dono da rede social X, que investiu cerca de US$ 130 milhões na campanha de Trump. Musk já sugeriu a criação de uma “comissão de eficiência” para cortar custos no governo, ideia que Trump acolheu, indicando a possibilidade de um novo cargo de “secretário de corte de gastos” para o empresário. Mas não há qualquer confirmação sobre tal função.

Além de Musk, Robert Kennedy Jr., ex-membro do Partido Democrata, também é mencionado como possível integrante do Gabinete, podendo ser indicado para a Secretaria de Agricultura, Secretaria de Serviços Humanos e Saúde, ou algum cargo em agências como o FDA (Food and Drug Administration, que tem papel semelhante ao da Anvisa no Brasil).

Fonte: O Globo

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