Mais de 700 mil pessoas, sendo a metade crianças, estão atualmente deslocados internamente no Haiti, revelou um relatório da Organização Internacional para as Migrações (OIM) nesta quarta-feira. Os dados mostram um aumento de 22% no total de desalojados desde junho, ilustrando a piora da situação humanitária no país, afetado pela violência de gangues.
— O aumento acentuado do deslocamento destaca a necessidade urgente de uma resposta humanitária contínua — disse Gregoire Goodstein, chefe da OIM no Haiti. — Instamos a comunidade internacional a reforçar seu apoio deslocados do Haiti e às comunidades de acolhimento que demonstram uma resiliência extraordinária diante dos desafios.
A maioria dos deslocados no Haiti (75%), permanece nas províncias do país, explicou a agência. A capital, Porto Príncipe, onde a situação permanece precária e imprevisível, acolhe um quarto das pessoas deslocadas do país, que geralmente residem em locais superlotados, com pouco ou nenhum acesso a serviços básicos, diz o relatório.
As comunidades de acolhimento “continuam pagando o preço desta crise”, indicou a OIM, lembrando que são as famílias que acolhem 83% dos deslocados, muitas apontando “dificuldades significativas como escassez de alimentos, centros de saúde sobrecarregados e falta de produtos essenciais nos mercados locais”.
Segundo a agência, as infraestruturas e serviços locais, especialmente nas províncias, também estão sob grande pressão, sendo a segurança alimentar, a habitação adequada e o acesso aos cuidados de saúde e à educação entre as principais necessidades.
A situação da segurança no Haiti continua crítica, apesar da chegada da Missão Multinacional de Apoio à Segurança (MMAS), liderada pelo Quênia, em junho. O envio dos militares ocorreu quase dois anos após o país caribenho solicitar urgentemente ajuda para conter o aumento da criminalidade. A proposta do Quênia foi enviar mil agentes policiais ao Haiti para esta missão, cuja duração inicial será de um ano.
O destacamento foi aprovado por uma resolução do Conselho de Segurança da ONU em outubro passado. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, agradeceu seu homólogo queniano, William Ruto, pela liderança na iniciativa. Os EUA, que disseram que o envio de tropas americanas levantaria “todos os tipos de questões que podem ser facilmente deturpadas”, concordaram em contribuir com R$ 1,6 bilhão.
Apesar disso, as estradas nacionais continuam ocupadas por gangues, que controlam a maior parte da capital. O aumento da violência ocorreu em fevereiro, quando grupos armados lançaram ataques coordenados em Porto Príncipe argumentando que queriam derrubar o então primeiro-ministro Ariel Henry, que acabou renunciando. Em junho, as gangues controlavam pelo menos 80% da capital.
— Ariel renunciou não por causa da política, não por causa das enormes manifestações de rua contra ele ao longo dos anos, mas por causa da violência praticada pelas gangues — disse Judes Jonathas, um consultor haitiano que trabalha há anos com prestação de ajuda. — A situação mudou totalmente agora, porque as gangues estão trabalhando juntas.
Segundo publicado pela Associated Press, a chegada dos quenianos marca a quarta grande intervenção militar estrangeira no Haiti. Embora alguns haitianos acolham sua chegada, outros veem a força com cautela, dado que a intervenção anterior — a missão de paz da ONU de 2004-2017 — foi marcada por alegações de abuso sexual e a introdução da cólera, que matou quase 10 mil pessoas.
Na segunda-feira, um relatório da Classificação Integrada da Fase de Segurança Alimentar mostrou que quase 6 mil pessoas no Haiti estão passando pelo nível mais grave de fome, com quase metade da população do país, que ultrapassa 11 milhões de pessoas, enfrentando fome em nível de crise ou pior. São 5,4 milhões nesta situação, número que aumentou 1,2 milhão apenas no último ano, à medida que a violência das gangues cresceu exponencialmente no país.
— Esta é uma das proporções mais altas de pessoas agudamente inseguras em qualquer crise ao redor do mundo — disse o porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric.
Embora grande parte da fome esteja diretamente ligada à enorme violência das gangues, a inflação de dois dígitos também limitou o que muitos haitianos podem comprar, com os alimentos agora representando 70% das despesas totais das famílias, publicou a AP. O custo de uma cesta básica aumentou mais de 11% no último ano, com a inflação atingindo 30% em julho. Além disso, partes do Haiti ainda tentam se recuperar do terremoto de agosto de 2021, de vários episódios de seca e do furacão Matthew, que atingiu o país em 2016.
Em 2014, apenas 2% da população do Haiti enfrentava insegurança alimentar, um número que disparou para quase 50%, segundo a Mercy Corps, uma das várias ONGs que pediram um aumento de financiamento na segunda-feira. O Haiti, que já era o país mais pobre da região, sofre há muito tempo a violência de gangues criminosas, mas nos últimos meses a situação piorou, agravando uma crise humanitária quase permanente.
(Com AFP)
Fonte: O Globo