Sushi no Mandaqui, museu de Magia na Vila Mariana, festival coreano no Bom Retiro: uma São Paulo explorada pelos influencers

Museu das Favelas, Instalação Visão Periférica

Dezenas de influenciadores em redes sociais têm ajudado a diversificar o circuito de lazer em São Paulo, tradicionalmente concentrado em bairros como Pinheiros, Itaim ou Jardins. Num roteiro que vai além do Centro expandido, despontam indicações de restaurantes, bares, casarios antigos e achados culturais que costumam escapar aos guias tradicionais da cidade. De rodízio premium de sushi no Mandaqui na Zona Norte, a banquete de comidas nordestinas no Tatuapé na Zona Leste, passando por museu de Magia e Bruxaria na Vila Mariana na Zona Sul e festival de cultura coreana no Bom Retiro — alçado a bairro da moda — as dicas proliferam.

Concentrados no Instagram, mas com versões para o público mais jovem do TikTok ou vídeos mais detalhados no Youtube, os perfis subvertem a definição de turista. Se fazer turismo era se hospedar e buscar atividades fora do local de residência, a onda de influencers tem servido ao próprio paulistano, que descobre novidades em bairros onde dificilmente iria circular sem o apelo de imagens exibidas nas redes sociais.

Para quem vem de fora, o novo roteiro da capital paulista mapeado pelas redes sociais dá a chance de conhecer de antemão lugares excluídos de passeios mais tradicionais. Na maioria das vezes, os preços também estão disponíveis, o que ajuda a planejar gastos.

— São Paulo tem muita coisa boa fora dos bairros principais, que acabam conhecidas apenas por moradores das proximidades — diz o advogado Eduardo Feltrin, de 30 anos, que, com Carol Barduk, de 31, criou o @turistandosp em 2017.

O casal, que iniciou as indicações como hobby, viu o perfil viralizar pela primeira vez na pandemia, ao mostrar em 2021 a hospedagem numa cabana bolha em Araçoiaba da Serra, a 120 km da capital. O momento era de viagens curtas, para locais isolados e não muito distantes. Num fim de semana, a dupla ganhou 200 mil seguidores. No pós-pandemia, os hábitos seguem em transformação. Entre as dicas inusitadas está o Rage Room, na Vila Carrão, um lugar onde as pessoas pagam para quebrar coisas e extravasar a raiva.

— As pessoas estão aprendendo a turistar dentro da própria cidade — diz Carol.

O @turistandosp tem 1,060 milhão de seguidores no Instagram e passou de 900 mil no TikTok, que reúne um público de menor faixa etária. Transformado em negócio pelo casal, oferece ainda um aplicativo (TurSPclub), com geolocalização, que abriga as dicas, roteiros e funciona como um clube de assinaturas desconto. Assim, seja turista de fora ou paulistano, o usuário consegue identificar, a partir do local onde está, onde ir nas proximidades.

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O apelo gastronômico da megalópole é inevitável, mas não só comes e bebes movimentam os rolês. O @vivasp_cultura, da ex-professora e gestora cultural Alana Carvalho, de 34 anos, surgiu em 2014 e o primeiro post foi sobre a Bienal.

Alana conta que buscar experiências fora do calendário geral transformou seu próprio olhar sobre a cidade.

— Eu mesma viajava e ia a museus em vários países, mas nem lembrava a última vez que havia ido à Pinacoteca — relembra.

Além da programação cultural, Alana apresenta mirantes e museus localizados em diferentes pontos da cidade, como os da USP, na Zona Oeste, e o Museu das Favelas, nos Campos Elíseos.

O foco sobre a cidade levou Alana a escrever o livro “Mulheres de SP”, com a história de 18 que deixaram um legado a São Paulo (a escritora e filantropa Anália Franco e a arquiteta Lina Bo Bardi são exemplos), em parceria com ilustradoras, e está prestes a lançar “O Extraordinário guia para descobrir a cidade de São Paulo – Volume 1”, com a história de 12 bairros, ilustrado no estilo almanaque, que vão do Capão Redondo, na periferia da Zona Sul, à tradicional Vila Mariana.

Um estudo de pesquisadoras do Departamento de Geografia, Turismo e Humanidades da Universidade Federal de São Carlos finalizado em 2020 aponta que o Instagram tem exercido grande influência nas mudanças no mercado de turismo. O compartilhamento de fotos e vídeos atrai os usuários, que usam a rede social para escolher destinos de viagens e descobrir novos lugares. O site Sprinklr, referência usada no estudo, classifica o Instagram de o “agente de viagens dos dias modernos”.

Ao analisar a influência da rede social no turismo na Ilha das Couves, em Ubatuba, as pesquisadoras descobriram que 66,7% dos visitantes tinham visto imagens do local no Instagram e 56% tinham buscado informações na plataforma antes de definir a viagem.

Charles Farias, gestor de marketing do Grupo Família Dargas, que reúne seis marcas de restaurantes em São Paulo, viu viralizar em meados de outubro a postagem de uma de suas unidades, o Caetanos Bar, que divulgou um rodízio de parmegiana num dos perfis de dicas paulistanas no Instagram.

— Chegamos a 1 milhão de visualizações e o restaurante lotou, teve fila. Num único dia, um sábado, vendemos 250 rodízios, mais do que os 200 que havíamos vendido num mês inteiro — conta Farias.

As indicações, no entanto, não são de graça. Recentemente, em comentários na própria rede social, um influencer gastronômico afirmou que não sai de casa para divulgar um restaurante por menos de R$ 28 mil.

A maioria dos perfis consolidados é remunerada com publicidade, identificada pelos influencers. Os perfis novatos costumam ser abastecidos com base em permutas de serviços ou produtos. Independentemente do modelo de negócio, para a cidade de São Paulo tudo indica que já deu certo.

Farias afirma que é preciso escolher muito bem onde apostar, de acordo com o perfil do cliente que pretende atrair. Chamam atenção no Instagram perfis no estilo “glutão”, com bocas enormes em primeiro plano, a devorar carnes, massas e doces. O modelo ganhou até apelido de “porn food” entre os especialistas na área.

As experiências culinárias ganham contornos mais elaborados quando formam um mix com outros atrativos, principalmente os que remetem à história da cidade. O @experimentesp, criado pelo casal Felipe Coppolaro, 34 anos, e Bruna Ouchi, 35, é um deles. A experiência começou como um blog em 2014, mas foi no perfil do Instagram que ganhou notoriedade.

Em 2019, ao buscar alternativas para comemorar seis anos de namoro, Bruna descobriu que havia possibilidade de hospedagem no Edifício Copam, um símbolo paulistano. A descoberta levou a outra: ao se hospedar, conheceu ali os livros “Prédios de São Paulo” (três volumes), com edifícios que são marcos na arquitetura da cidade.

— Decidimos então procurar hospedagens Airbnb em outros prédios icônicos. Cada vez que estávamos num deles a gente mergulhava na história, na arquitetura do local. Ao mesmo tempo em que fazíamos a pesquisa, nossos seguidores interagiam com dicas sobre os edifícios — conta Bruna.

As hospedagens renderam uma série com 10 edifícios icônicos da cidade, inicialmente com fotos, agora sendo reeditada em vídeo. Além dos paulistanos, turistas de outros estados e estrangeiros têm sido cada vez mais atraídos pela arquitetura dos prédios.

A lista inclui o Edifício Marajó, erguido entre os bairros Barra Funda e Santa Cecília nos anos 1940, com fachada estilo Art Déco, que passou recentemente por retrofit (recuperação de prédios antigos com nova destinação), e o Palacete Riachuelo, que começou a ser construído em 1925 e tem sua fachada voltada para o Vale do Anhangabaú. Com apenas sete andares, é um dos primeiros prédios residenciais da América Latina. É ainda apontado como o primeiro arranha-céu de apartamentos da cidade.

Fonte: O Globo