Se Trump vencer e a democracia americana sucumbir, não será por falta de aviso

Donald Trump durante debate presidencial: republicano teve desempenho considerado abaixo do esperado
Donald Trump durante debate presidencial: republicano teve desempenho considerado abaixo do esperado — Foto: Saul Loeb/AFP

Donald Trump já avisou: se voltar à Casa Branca, vai usar o aparato do Estado para perseguir e esmagar adversários políticos. Na reta final da campanha, o republicano elevou o tom das ameaças. Disse que o “inimigo interno” ofereceria mais perigo aos Estados Unidos que a Rússia ou a China.

O ex-presidente fincou sua nova candidatura numa plataforma de vingança. Quer acertar contas com políticos, militares e servidores que se opuseram a seu projeto autocrático. Nas palavras do general John Kelly, seu ex-chefe de gabinete, Trump deseja retornar com poderes de ditador. “Sem dúvida, ele se enquadra na definição geral de um fascista”, resumiu o militar da reserva.

Na terça-feira, os americanos vão às urnas eleger o próximo presidente. Será uma escolha existencial, com consequências para todo o planeta. Nas últimas semanas, a democrata Kamala Harris reforçou os alertas de que a democracia está em jogo. A questão é saber se esse discurso será capaz de sensibilizar eleitores que ainda se dizem indecisos.

Há seis dias, o jornal The New York Times publicou uma ampla pesquisa sobre a satisfação dos americanos com o regime democrático. O resultado mostrou um país dividido: 49% concordaram que a democracia representa bem os interesses do povo, mas 45% disseram o contrário. Os pesquisadores do Siena College também mediram o humor dos eleitores com os ocupantes do poder. Para a ampla maioria (62%), o governo só está preocupado em cuidar dos próprios interesses e proteger as elites. Apenas 33% acreditam que o sistema atenda o povo e o país.

O mal-estar com a democracia cria terreno fértil para populistas com vocação autoritária. Isso ajuda a entender a força eleitoral de Trump, que se apresenta como um líder capaz de resolver problemas complexos num passe de mágica. Nos últimos dias, sua campanha martelou o mote “Trump will fix it” (“Trump vai consertar isso”). Como a propaganda não explica o que é “isso”, o eleitor pode projetar qualquer coisa que o aflija: a angústia com a inflação, o medo da guerra, o incômodo com a ascensão de negros e latinos.

O comício que lotou o Madison Square Garden, domingo passado, foi marcado por cenas de racismo explícito. Um humorista definiu Porto Rico, arquipélago caribenho que exporta mão de obra para os EUA, como uma “ilha flutuante de lixo”. O âncora Tucker Carlson debochou da origem étnica de Kamala, filha de uma indiana e de um negro nascido na Jamaica.

Famoso por estimular o ódio contra imigrantes, o ex-presidente voltou a prometer deportações em massa. Ele já acusou estrangeiros de aterrorizarem famílias americanas e “envenenarem o sangue” do país. Qualquer semelhança com a retórica de autocratas da décadas de 1930 não parece ser mera coincidência. Em entrevista à revista The Atlantic, John Kelly disse ter ouvido de Trump que ele gostaria de ter generais “como os de Hitler”.

Todos os avisos foram dados antes da eleição. Se o republicano vencer e a democracia americana sucumbir, ninguém poderá alegar surpresa.

Fonte: O Globo

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