O presidente eleito da Argentina, Javier Milei, tem enormes desafios pela frente, num país que tem sua economia em ruínas e no qual ele deverá governar sem maioria no Congresso, sem governadores e prefeitos aliados e sem um acordo sólido com uma ala da aliança opositora de centro-direita Juntos pela Mudança, que foi essencial para sua vitória nas urnas. As rígidas posições do presidente eleito em matéria de política externa poderiam isolar a Argentina na região e no mundo, como aconteceu com Jair Bolsonaro no Brasil.
A seguir, uma lista dos principais desafios do futuro governo de Milei, e algumas das propostas que já fez para superá-los.
Os elevados preços no mercado interno são uma das principais preocupações dos argentinos. Nos últimos cinco meses, a Argentina teve quatro meses de inflação mensal de dois dígitos, e em outubro passado o índice foi de 9%. Nos últimos 12 meses, a taxa acumulou aumento de 147% e as previsões para 2023 são de uma aceleração ainda mais forte. O plano de Milei é, de cara, suspender a emissão de pesos por parte do Banco Central, como primeiro passo de seu projeto de dolarizar a economia argentina. Existem, porém, dúvidas sobre a iniciativa, que nunca foi bem explicada pelo agora presidente eleito. Milei esclareceu que reduzir de forma expressiva a inflação demorará, pelo menos, dois anos.
Segundo previsão do Fundo Monetário Internacional, este ano a economia argentina registrará retração de 2,5%. A pior seca dos últimos 100 anos foi um dos fatores que impediu o país de crescer, mas existem também sérios problemas internos, consequência de um plano econômico fracassado no governo de Alberto Fernández e Cristina Kirchner. O país vive uma escassez de dólares dramática, que levou o governo a barrar drasticamente importações, afetando desde alimentos até insumos médicos, entre outros produtos. Sem importações, muitas indústrias enfrentam sérios problemas para produzir, porque faltam peças de máquinas e insumos diversos. Milei terá de buscar alguma maneira de recompor as reservas do Banco Central argentino, atualmente zeradas. Segundo disse a agora vice-presidente eleita Victoria Villarruel, uma das possibilidades é convencer os argentinos que tem, estima-se, cerca de US$ 400 bilhões fora do sistema financeiro no país e no exterior, a bancarizar esses recursos. Os dólares são essenciais não apenas para normalizar as importações e favorecer a produção interna, mas, também, para avançar com o plano de dolarizar a economia.
Milei receberá uma Argentina na qual 41% das pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Nunca se viu, como hoje, tantas pessoas comendo do lixo e dormindo nas ruas das principais cidades argentinas. O presidente eleito não tem um plano para melhorar a situação dos mais humildes, que poderá, até mesmo piorar nos primeiros meses e anos. Milei avisou que será necessária uma política de ajuste drástica para recompor as finanças do país e conter a inflação. Gradualmente, devem ser eliminados subsídios e programas de ajuda social, o que implicará, em alguns casos, reajustes da tarifas de serviços públicos. Economistas temem um aprofundamento da crise social nos primeiros tempos.
O novo governo deverá ordenar a situação no mercado de câmbio, no qual atualmente convivem mais de 50 cotações de dólar. O dólar paralelo ou blue chegou a bater mil pesos nas últimas semanas, e só foi contido porque o governo implementou uma política de perseguição a casas de câmbio clandestinas, as chamadas “cuevas” (cavernas). Milei prometeu liberalizar o câmbio, e o desafio e eliminar as rígidas normais que existem atualmente para comprar dólares no mercado oficial sem provocar uma desvalorização abrupta do peso, que poderia arrastar o país para uma hiperinflação.
O partido de Milei, A Liberdade Avança, terá 38 deputados, de um total de 257 cadeiras, e oito senadores, de um total de 72. Sem maioria, o novo presidente está obrigado a negociar acordos e seus principais aliados deverão ser deputados e senadores da aliança — ou o que resta dela — de centro-direita Juntos pela Mudança. Mas mesmo com o apoio de uma ala da Juntos pela Mudança liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri e pela ex-candidata presidencial Patricia Bullrich, o futuro presidente da Argentina precisará selar entendimentos com outros setores para aprovar suas reformas. Milei estará profundamente condicionado pelo Congresso, e seu plano de convocar plebiscitos poderia criar um clima de forte instabilidade no país.
Na Argentina, existem vários exemplos de governos não peronistas que não conseguiram completar seus mandatos. Após a redemocratização do país, em 1983, os ex-presidentes Raúl Alfonsín e Fernando de la Rúa renunciaram antes de terminar seus governos, em meio a fortes pressões sociais e políticas. Ter o peronismo na oposição é um enorme desafio, dado o poder de mobilização das diversas facções do movimento fundado pelo general Juan Domingo Perón, e sua aliança com setores chaves da política nacional como os sindicatos.
Milei receberá como herança um acordo com o Fundo Monetário Internacional que deve ser renegociado, pelo não cumprimento por parte da Argentina de algumas de suas cláusulas. O presidente eleito disse que esse não será um problema, pois suas propostas vão além das exigências do Fundo. Mas durante a campanha circularam informações sobre a desconfiança do organismo em relação ao líder da direita radical argentina. O acordo original foi fechado em 2018, pelo ex-presidente Macri, e por um total de US$ 44 bilhões, o maior já concedido pelo FMI em sua História.
Com posições rígidas sobre com que países pretende se relacionar e com quais não — baseadas, essencialmente, em sua posição ideológica — Milei poderia ficar isolado na região e no mundo. O presidente eleito disse que não pretende ter relações com sócios estratégicos da Argentina como Brasil e China porque ambos, segundo Milei, são comunistas e opressores. Como fizeram os ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro, o futuro presidente argentino poderia retirar seu país de blocos e organismos multilaterais, transformando a Argentina, como fez Bolsonaro com o Brasil, num pária internacional.
Fonte: O Globo