Primeira demolição de prédio residencial em Brasília comove moradores: ‘Os interesses econômicos sempre prevalecem’

Após 63 anos, prédio residencial da SQS 403 no Plano Piloto é demolido

Parte do plano urbanístico de Brasília, planejada na década de 1950 para receber a capital federal, um prédio residencial do Plano Piloto será completamente demolido pela primeira vez desde a inauguração da cidade. Iniciada na segunda-feira, a destruição do bloco S da quadra 403 da Asa Sul carrega o simbolismo de marcar o início de uma mudança na paisagem urbana da cidade que é considerada patrimônio cultural da humanidade.

Projetado pelo arquiteto Inglês William Bryant para receber funcionários da embaixada do Reino Unido, o prédio foi construído em 1962 e inaugurado em 1968. Desde então o bloco que era conhecido como “staff block” era usado como moradia por servidores da representação britânica que viviam no Brasil.

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU-DF) lamentou a demolição e destacou a importância do edifício para a cidade, “por ser um raro exemplar da arquitetura brutalista britânica, construído em Brasília”.

Projetado por Lúcio Costa, o Conjunto Urbanístico de Brasília é tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) e pelo Governo do Distrito Federal (GDF).

O tombamento, no entanto, diz respeito ao conjunto urbanístico da cidade e poucos edifícios possuem tombamento individual. Os blocos residenciais não estão entre estas seletas construções.

“Em resumo, não há impedimento à demolição de edificações nas superquadras, mas a regra de tombamento do Iphan obriga que, no lugar, seja construído um prédio a partir das mesmas normas de gabarito vigentes”, disse o Iphan em nota.

Por sua vez, o governo do DF afirmou que “o prédio é uma propriedade particular, a construtora apresentou a documentação necessária para obter a autorização da Central de Aprovação de Projetos (CAP) do órgão para fazer a demolição”.

As superquadras são um conceito adotado pelo arquiteto e urbanista Lúcio Costa. Ao desenhar o projeto urbanístico, o arquiteto tentou aliar a escala monumental da estrutura administrativa da cidade com a escala residencial, que deveria ser menor e mais intimista.

— É daí que nasceu a idéia da quadra, ou superquadra como foram chamadas, porque eram grandes, as quadras habitualmente têm cento e poucos metros e aí eram trezentos por trezentos aproximadamente — disse Costa ao arquiteto Juan Zapatel, em entrevista disponível no Arquivo Público do Distrito Federal.

O prédio foi comprado pela Construtora Paulo Octávio, do ex-governador do Distrito Federal. Paulo Octávio é casado com uma neta de Juscelino Kubitschek, presidente responsável por transferir a capital do país para Brasilia.

A empresa afirmou que a intenção inicial era restaurar o edifício, mas que “foram realizadas tantas intervenções ao longo dos últimos 61 anos que havia risco na edificação”. “O projeto para o local vai seguir as determinações para a área e seguirá a arquitetura brutalista que marcou a construção dos primeiros prédios da cidade”, completou a construtora.

Segundo a empresa, a construção do prédio que substituirá o edifício de 61 anos deve ser finalizada até 2027.

No local, porém, a demolição do prédio tem comovido moradores de Brasília. A estudante de arquitetura de 18 anos, Laila Ollaik observava com olhos atentos e uma câmera fotográfica na mão o prédio vir abaixo na sexta-feira passada.

— Acho que a grande questão que gerou uma comoção por causa do staff block é que ele era uma jóia escondida. Quando a gente vê que as construtoras não valorizam isso, pensar em um futuro onde Brasília é percebida como patrimônio fica mais difícil — lamentou ela. — Aos poucos vão aparecer só prédios espelhados por aqui, é uma pena.

O aposentado Gerson Rodrigues, 80 anos, mora em um edifício a poucos metros do antigo “staff block” e também lamenta a demolição

— Infelizmente aqui em Brasília os interesses econômicos sempre prevalecem sobre nossa cultura. É triste.

Fonte: O Globo