O estado de São Paulo amanheceu na terça-feira com as maiores temperaturas do Brasil, medidas por estações automáticas, mas ainda assim um retrato de um país com um clima extremo e em mutação. Às 10h25m da manhã, Jundiaí era o lugar mais quente, com 38º Celsius, sensação térmica de 63º Celsius. Outras cidades paulistas, como Guaratinguetá estavam acima dos 35ºC. É um cenário que tem se repetido.
Uma combinação de fatores explica a transformação de São Paulo, outrora um estado de temperaturas mais amenas, numa fornalha nesta e nas demais ondas de calor do segundo semestre de 2023.
Três elementos são fundamentais, afirma o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operações e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). O primeiro é a proximidade de São Paulo do centro do sistema de alta pressão que gera todo esse calor, a bolha ou domo quente.
A bolha quente tomou o coração da América do Sul, seu epicentro engoliu o Paraguai e os estados do Centro-Oeste brasileiro, principalmente Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, com o qual São Paulo faz fronteira.
Mas isso é só parte do inferno paulista. O segundo fator é a direção do vento, que leva o ar quente diretamente para São Paulo, mas não para o estado do Rio de Janeiro, por exemplo. A posição da alta é que determina a direção do vento, frisa Seluchi.
O sistema de alta pressão atmosférica, o domo quente, esquenta o ar por compressão. E ele é um anticiclone, um sistema de ventos que giram em sentido anti-horário no Hemisfério Sul.
Neste caso, os ventos de norte/nordeste gerados pelo anticiclone, devido à localização deste no centro do continente, seguem para o estado de São Paulo carregados de ar quente, destaca Gilvan Sampaio, coordenador geral de Ciências da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Seluchi observa que São Paulo está bem na rota dos ventos do interior para o litoral, mais do que o Rio de Janeiro. Isso faz que no horário mais quente, por volta das 14h, o canal de vento deixe cidades paulistas com temperaturas semelhantes às do Centro-Oeste.
Nesta terça, às 14h, cidades paulistas, como Jundiaí, Guaratinguetá e Cruzeiro estavam tão quentes quanto Corumbá (MS), Água Clara (MS) e Rondonópolis (MT). Todas na faixa dos 40°C com sensação térmica superior a 45°C.
— Além disso, o interior de São Paulo é muito seco. Não há umidade no solo para evaporar e aliviar a temperatura — diz Seluchi.
O terceiro fator é a forte urbanização, uma ilha de asfalto e cimento que amplifica o calor.
— Uma ilha de cimento como é São Paulo registra temperaturas muito elevadas à noite. O cimento libera calor e a temperatura, mesmo sem sol, demora mais para cair — acrescenta Seluchi.
O Sudeste, marcadamente São Paulo e Minas Gerais, têm registrado elevações de temperatura extremas, até 10°C acima da média histórica.
Um ponto a observar é o clima local. Na cidade de São Paulo, dias consecutivos acima de 32°C são tão ou mais significativos do que mais de 35°C em Corumbá e Cuiabá porque essas cidades têm padrões climáticos diferentes. Então, a elevação acima da média de São Paulo pode ser até maior do que a de cidades do MT, MS e PI, por exemplo.
Mas, no fim de semana, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro, diz Sampaio, uma frente fria poderá romper a bolha e causar temporais seguidos de fortes ventos. E os ventos serão fortes justamente devido ao choque entre o ar quente com o mais frio que vem do Sul.
— O vento ocorre em função da diferença de temperatura. Como está muito quente, o choque com uma frente fria tende a produzir ventos muito intensos — enfatiza Sampaio.
Ele destaca que um estudo de Manoel Gan, do Inpe, já mostrou que a primavera é a estação com mais desastres associados a ventos.
No entanto, que ninguém espere alívio expressivo para o calor. A chuva poderá amenizar a temperatura à noite e reduzir as máximas, mas ainda assim deverá continuar quente.
Centro-Oeste, Nordeste e Norte podem ter chuvas isoladas. Mas o calor seguirá extremo.
Fonte: O Globo