O primeiro-ministro da Eslováquia, Robert Fico, foi baleado nesta quarta-feira em Handlova, a cerca de 180 km a nordeste da capital Bratislava, enquanto cumprimentava partidários em frente a um centro comunitário cultural. Ex-membro do Partido Comunista que foi acusado de influenciar a política externa de seu país em favor do Kremlin, ele está em estado crítico, segundo fontes oficiais.
Veterano político, essa é a quarta vez que Fico, cujo partido Smer-SD venceu as eleições gerais em setembro passado, ocupa o cargo de primeiro-ministro, em um tempo no poder marcado por escândalos de corrupção e reformas controversas. Durante seu atual mandato, atraiu a atenção mundial após uma série de comentários inflamados sobre a Ucrânia, pedindo que Kiev cedesse território a Moscou para acabar com a guerra — algo que a Ucrânia tem repetidamente descartado.
Com 5,4 milhões de habitantes, a Eslováquia — país membro da União Europeia (UE) e da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) — forneceu ajuda militar substancial à Ucrânia desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022. Mas Fico suspendeu o envio de armas ao país após se comprometer a não fornecer a Kiev “uma única bala” durante a campanha eleitoral para a eleição do ano passado, que terminou com o Smer-SD formando uma coalizão com parceiros de extrema direita.
Apesar de ter saudado a adoção do euro pela Eslováquia como uma “decisão histórica significativa”, durante a campanha atacou a UE, a Otan e a Ucrânia em uma tentativa de atrair eleitores radicais dos dois espectros políticos e rotulou seus oponentes pró-ocidentais de “belicistas”. Ele também disse que não permitiria a prisão do presidente russo, Vladimir Putin, sob um mandado internacional se ele fosse à Eslováquia.
Em um livro publicado no ano passado, chamado “Fico: Obsessed with Power” (Fico: Obcecado pelo Poder), o sociólogo Michal Vasecka disse que o premier eslovaco “definitivamente aprecia o autoritarismo de Putin”: “Sua relação com a Rússia é historicamente determinada pelo lema socialista ‘Com a União Soviética para a Eternidade'”, acrescentou.
Advogado de profissão, Fico iniciou sua carreira política no Partido Comunista (PC) pouco antes da Revolução de Veludo de 1989, que levou à dissolução da antiga Tchecoslováquia, dando início ao capitalismo e à democracia. Ele aprimorou suas credenciais na UE como representante da Eslováquia na Corte Europeia de Direitos Humanos em Estrasburgo, de 1994 a 2000.
Durante esse período, foi preterido para um cargo ministerial pelo Partido da Esquerda Democrática (SDL), herdeiro político do PC, em 1998. No ano seguinte, deixou o partido para fundar a sua própria sigla, a Smer-SD (uma abreviação de Smer-Social Democrats, ou Direção-Social Democracia).
A aposta valeu a pena em 2006, quando o Smer-SD obteve uma vitória esmagadora no Parlamento, catapultando Fico para o cargo de primeiro-ministro dois anos após a adesão da Eslováquia à UE. O líder esquerdista formou uma coalizão com o Partido Nacional Eslovaco (SNS), de extrema direita, que compartilha suas tendências populistas e sua retórica contrária aos refugiados.
Fico capitalizou com astúcia a crise financeira global em 2008 para reforçar sua popularidade, recusando-se a impor medidas de austeridade. A entrada da Eslováquia na zona do euro em 2009 coroou o primeiro período de quatro anos de Fico como primeiro-ministro, mas, nas eleições de 2010, não conseguiu formar uma coalizão apesar de ter vencido.
Posteriormente, obteve uma vitória esmagadora em uma eleição antecipada em 2012, após a queda de uma coalizão de centro-direita em meio a alegações de corrupção. Em 2014, ele se licenciou do cargo para concorrer à Presidência, mas perdeu para Andrej Kiska, um filantropo e novato na política. Após a derrota, voltou ao cargo de premier.
Quando a crise de refugiados e imigrantes varreu a Europa em 2015, Fico adotou uma postura dura, recusando-se a “dar origem a uma comunidade muçulmana distinta na Eslováquia” e criticando o programa de cotas da UE para redistribuir os estrangeiros.
O Smer-SD venceu as eleições de 2016, mas seu período como primeiro-ministro terminou dois anos depois, após o assassinato a tiros do jornalista investigativo Jan Kuciak e sua noiva. O crime provocou uma onda de sentimento antigovernamental em toda a Eslováquia, pois Kuciak descobriu ligações entre a máfia italiana e o governo Fico em seu último artigo publicado postumamente.
Uma eleição em 2020 levou uma coalizão anticorrupção ao poder, e Fico manteve sua cadeira no Parlamento.
Nascido em 15 de setembro de 1964, Fico se esquivou dos rótulos de “populista” e “demagogo”. Fluente em inglês, é conhecido por gostar de carros velozes e futebol, além de ter uma queda por relógios caros. Ele é casado com a advogada Svetlana Ficova, com quem tem um filho, Michal, embora a mídia eslovaca tenha informado que o casal se separou. O ditado favorito de Fico é “paciência sempre traz rosas vermelhas”.
Fonte: O Globo