Após meses em alto-mar, ela precisou surfar ondas com mais de dez vezes o seu tamanho para chegar à costa. Uma vez em terra firme, mesmo exausta, não parou e escalou os rochedos à beira-mar. Mas, como acontece há 15 primaveras, ele estava lá para recebê-la na segurança do ninho do casal.
Ela é uma pinguim-de-penacho-amarelo (Eudyptes chrysocome) de menos de meio metro. Ele, um macaroni (Eudyptes chrysolophus), um pouco maior. Ambos compartilham o topetinho punk amarelo e os pés cor-de-rosa.
São o único casal interespécie de Bleaker, uma das ilhas do arquipélago de Falklands, na América Latina conhecidas por Malvinas, reivindicadas pela Argentina. Este ano tiveram seu primeiro filhote viável, conta o proprietário da ilha, Nick Rendell, que acompanha os pinguins para a British Antarctic Survey.
— Nos outros anos, os filhotes não sobreviveram. Mas este vingou e já partiu, cumpriu o destino de ambas as espécies e foi viver os próximos meses sozinho no mar — diz Rendell.
Já os pais ainda esperariam algumas semanas para retornar ao mar. Em março, eles e toda a colônia de penachos-amarelos estavam em plena muda de plumagem. Eles perdem todas as penas de uma vez e, suscetíveis ao frio, não podem entrar no mar.
Casais híbridos podem se formar entre espécies semelhantes de pinguins. E, como é da natureza deles, também ficam juntos até que a morte os separe. Apesar disso, não são necessariamente monogâmicos. Eles têm fidelidade ao ninho, respeitada por machos e fêmeas. Ao parceiro, quase nunca. A vida nos mares do Sul nas latitudes antárticas e subantárticas não é para os fracos e tampouco perdoa ciúme.
Aventuras sexuais extraconjugais são comuns para machos e fêmeas. Todos dão, literalmente, seus pulinhos para fora do ninho.
Machos podem atrair fêmeas tanto para ser a companheira de vida quanto apenas para uma “cópula extraninho”, como chamam os cientistas. Em troca, algumas espécies oferecem pedrinhas. Estas são quase sempre escassas e valem ouro numa terra sem vegetação e varrida pelo vento.
Os ninhos de várias espécies são feitos de pedrinhas, que oferecem proteção extra para ovos e filhotes. Fêmeas também podem deixar o companheiro no ninho e sair em busca de oportunidades extraconjugais. O que inclui ludibriar o macho vizinho com favores sexuais para furtar pedrinhas.
Virginia Petry diz que uma pesquisa que analisou DNA dos filhotes de pinguins nos ninhos revelou que 40% eram filhos dos vizinhos.
Pinguins passam meses no mar, em uma vida solitária e misteriosa, mas quando voltam à terra materializam a vida em sociedade. Formam colônias numerosas, a uma segura distância da água.
As colônias servem de proteção contra intempéries e predadores que estão em toda parte. Sejam focas, leões ou lobos marinhos que podem comer animais adultos, quanto aves marinhas, como as skuas, que devoram ovos e filhotes. Nas Falklands há ainda o raro gavião local marrom, que costuma atacar os penachos-amarelos.
O meio da colônia costuma ser privilégio dos machos mais experientes, que chegam primeiro e garantem o lugar. Mas todo o grupo se alterna entre meio e bordas. Não por altruísmo. Mas para não superaquecer no centro, onde a temperatura pode subir muito devido à aglomeração.
Encantadores e graciosos para os olhos humanos, os pinguins estão entre os animais mais resistentes da Terra, levam uma vida dura, num clima hostil e em mutação. Precisam ter estratégias de pesca, chegam a nadar mais depressa que grandes navios, alcançando até 60 km/h.
— Eu os amo, os admiro por sua resiliência, mas não queria ser pinguim — diz a fotógrafa britânica Joanne Mahy, que viaja pelo extremo Sul do planeta para registrar essas aves.
A repórter viajou a convite dos governos do Reino Unido e das Ilhas Falkland
Fonte: O Globo