O que se sabe sobre a dolarização da economia argentina que Milei quer implementar?

Javier Milei faz campanha em Villa Lugano, bairro da capital argentina

Uma das principais propostas de Javier Milei, presidente eleito de extrema direita que vai assumir o governo argentino no próximo dia 10 de dezembro, é dolarizar a economia do país. Isso significa substituir o peso pelo dólar como moeda oficial.

O objetivo é debelar a inflação, que passa de 100% em 12 meses. Há casos de dolarização em economias de menor porte, como Equador e El Salvador, mas não em economias do tamanho da Argentina, o que levam analistas a serem céticos quanto à medida.

Mas o que se sabe sobre o plano de dolarização de Milei? Veja abaixo

Na Argentina, hoje, é permitido ter conta de poupança em dólar e a divisa serve de referência, mas a moeda corrente é o peso. Por exemplo, imóveis são negociados em dólar, mas o pagamento tem que ser feito em pesos. Muitos poupam em dólares, seja em conta no banco ou em dinheiro, “embaixo do colchão”.

Com a dolarização, o dólar passaria a ser a moeda corrente para todas as transações, incluindo o pagamento de salários.

Mas isso não significa um aumento no poder de compra dos argentinos ou que eles ficariam ricos. A taxa de câmbio na troca dos pesos por dólares é que vai definir quanto os argentinos terão em suas contas. Quanto maior a taxa, menor o valor, em dólar, de salários e rendimentos.

O primeiro efeito de uma eventual dolarização seria o tombo na inflação. Seria esperada uma estabilidade de preços , já que a inflação em dólar, geralmente, é baixa. A inflação argentina está acima de 140% em 12 meses.

Nesta terça-feira, o dólar blue, vendido no mercado paralelo, passou de mil pesos.

Ao dolarizar a economia, por outro lado, o país abre mão de algumas medidas de política econômica. Sem moeda própria, o governo não poderia mais fixar a taxa básica de juros, passaria a seguir os juros do Fed, o banco central americano.

Se algum problema doméstico provoca uma recessão, não seria possível baixar juros para aquecer a economia. Se o Fed sobe os juros por algum motivo doméstico dos EUA, a economia argentina vai esfriar, mesmo que esteja estagnada.

O país também ficaria mais suscetível a choques externos. Uma alta nas cotações de matérias-primas negociadas em dólar, como o petróleo, pode afetar mais rapidamente a economia local.

Com títulos de dívida em dólar, o governo perde margem de manobra nas contas públicas. Se uma crise derruba a arrecadação, para não ficar com um rombo, cortes de gastos podem ser abruptos, afetando serviços essenciais.

Recessão e inflação descontrolada derrubam a demanda argentina. Se a dolarização estabilizar o vizinho, a demanda por bens e serviços brasileiros poderia aumentar ou parar de cair. Operacionalmente, a troca de moeda faria pouca diferença, pois as transações entre os dois países já são em dólar.

O país também tende a continuar sendo um destino barato. Depende da taxa de câmbio usada na troca, total do dinheiro em circulação, mas a tendência é que os preços em dólar sigam pelo menos tão baixos quanto atualmente.

Faltam dólares para substituir todos os pesos. Estimativas para o valor necessário, dependendo do câmbio, vão de US$ 35 bilhões a US$ 50 bilhões, mas o banco central tem reservas de US$ 7,3 bilhões, em termos brutos, diz a consultoria 1816. O valor fica negativo quando se descontam os passivos.

Além disso, a medida exigiria aprovação no Congresso, mas Javier Milei dificilmente terá maioria.

Fonte: O Globo