Uma hora antes que se conhecesse quem era o escolhido pelo eleitor argentino, o governo brasileiro sabia que Javier Milei seria o próximo presidente do país e que sua vitória era por uma grande margem. Uma fonte me disse que os movimentos para a aproximação entre o Brasil e o presidente eleito já haviam começado. “Seremos os adultos da relação”, me informou essa fonte, se referindo ao fato de que o político de extrema direita durante a campanha havia falado até em romper com o Brasil.
Mas o que houve que a vitória de Javier Milei foi por uma diferença tão grande? Houve nos últimos dias uma onda em favor de Milei e que não foi acompanhada pela imprensa porque há um silêncio longo das pesquisas. Mas quem acompanhava o sentimento das ruas constatou isso.
Curioso é que os partidários de Sergio Massa ficaram otimistas depois do último debate. Ele foi muito bem de fato. Mas foi tão bem que isso se virou contra ele, me contou uma fonte:
– O que parecia uma vitória de Massa, a clareza das ideias, a estrutura de exposição, a coerência, a solidez acabaram dando mais votos para seu adversário. Ele parecia muito ensaiado. E nisso lembrava um político tradicional. Javier Milei que parecia tão fora de ordem, desordenado ficou parecido com o papel que ele desempenhou nessa eleição, um candidato antissistema.
Javier Milei, por seu lado, percebeu que teve um percentual de votos no primeiro turno muito parecido com o que havia tido nas primárias. Estava batendo no teto de 30% e isso o fez mudar a estratégia da campanha. Para furar aquele teto ele teria que deixar de ser Milei.
Seu slogan era “é impossível uma Argentina diferente com os mesmos de sempre”. Seu discurso inicial era “contra as castas” e nessa lista de “casta” ele incluía tanto Patricia Bullrich, quanto o ex-presidente Mauricio Macri.
No segundo turno, seu slogan perdeu sentido e ele teve que abraçar o macrismo. Macri entrou com força na campanha e isso deu alguma consistência a um programa radical e vazio. As propostas econômicas, de dolarizar e de acabar com o Banco Central, foram sendo relativizadas. Milei e seus assessores passaram a indicar que seria feito em etapas. Houve uma racionalização das propostas.
O novo presidente, que assume em 10 de dezembro, terá que enfrentar três desafios a partir de agora: o primeiro deles é negociar um acordo de governabilidade, já que sua força política é mínima. A Liberdade Avança, partido de Milei, tem 38 deputados de 257, e oito senadores de 72. Não tem capacidade alguma de governabilidade. Precisará muito dos parlamentares do Juntos pela Mudança, a coalizão eleitoral de Patricia Bullrich que tem 94 deputados e 24 senadores. O ex-presidente Maurício Macri pode vir a assumir um papel importante para garantir a governabilidade.
O segundo desafio será ter um plano sério de combate à inflação porque ela pode entrar em espiral cada vez mais forte. A Argentina não tem a economia oficialmente indexada como era a do Brasil, antes do Plano Real, mas pode haver uma corrida ainda maior para o dólar e isso atingirá a inflação. Milei nunca explicou como será seu plano econômico e ele terá que concretiza-lo em pouco tempo, porque a economia argentina está chegando, em breve, a 200% de inflação.
O terceiro desafio será começar logo uma negociação com o FMI e os países credores. A Argentina deve muito ao FMI e não recebe dinheiro novo há muito tempo. Tem pedido empréstimos para conseguir rolar a dívida no Fundo. As reservas cambiais estão zeradas, ou até negativas, dependendo de como se faz a conta. Um país sem reservas em dólar, como se dolarizará?
Milei terá muito mais dificuldade com o seu projeto de extrema direita do que teve Jair Bolsonaro no Brasil. É que nos primeiros dois anos, Bolsonaro pôde contar com Donald Trump nos Estados Unidos. Milei chega atrasado nesse movimento. E precisando muito da direita tradicional para governar.
O candidato derrotado, Sergio Massa, deu lição de civilidade e democracia, ao reconhecer a derrota de forma clara, mesmo antes de qualquer resultado ser divulgado, e telefonando para Milei para cumprimentá-lo. Massa disse que pediu ao presidente Alberto Fernández que começasse imediatamente o processo de transição. Os peronistas governaram a Argentina por 27 dos 40 anos de democracia. Vão agora se recolher à oposição e mudar de pele mais uma vez.
Fonte: O Globo