O crime organizado sequestrou uma grande parte da América Latina. Nas últimas duas décadas, grupos criminosos aumentaram o controle de territórios em países da região, entre eles Brasil, Peru, Venezuela, Chile e México. Para entender o desafio que a região enfrenta, o Grupo de Diários América (GDA), do qual O GLOBO faz parte, reuniu dados de diferentes nações latino-americanas sobre o tema.
Embora cada país viva um contexto específico, há semelhanças entre todos: altos índices de violência, existência de facções de organizações criminosas organizadas focadas na expansão territorial, recrutamento de menores para assim escapar da Justiça, disputa entre gangues pelo controle regional, além da prática recorrente de sequestros, extorsão, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
No Brasil, dados obtidos pelo GLOBO indicam que os dois maiores grupos criminosos — o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC) — disputam o monopólio do mercado nacional de venda de drogas e as rotas de tráfico internacional. Apesar da criação do Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Enfoc) em outubro do ano passado, e da promessa de investimentos de R$ 900 milhões no combate ao crime organizado até 2026, especialistas avaliam que o governo federal ainda não assumiu um papel de liderança na segurança pública do país. A resposta ao crime organizado tem sido militarizada e fez com que o Brasil liderasse o ranking regional de mortes causadas pela polícia: em 2023, foram 6.296 em todo o país.
Com a mesma envergadura que o PCC e o CV, o Trem de Aragua é uma rede criminosa venezuelana que expandiu seus tentáculos em quase toda a América Latina. O jornal venezuelano El Nacional informa que a organização criminosa nasceu de um sindicato ligado a um projeto ferroviário fracassado. Após a suspensão do empreendimento, alguns membros se envolveram com o crime.
Uma investigação da jornalista venezuelana Ronna Rísquez aponta que o Trem de Aragua expandiu suas fontes de renda por meio de um portfólio de pelo menos 20 crimes, incluindo extorsão, sequestro, roubo, estelionato, mineração ilegal de ouro e contrabando de sucata, além de homicídios e assassinatos, tráfico de pessoas e de drogras, lavagem de dinheiro, contrabando de imigrantes e venda de armas para outros grupos criminosos da região.
De acordo com o portal Transparência Venezuela, as chamadas “zonas de paz”, implementadas pelo governo do presidente Nicolás Maduro em 2013, “provaram ser um fator determinante, pois lhes deu reconhecimento, uma espécie de legitimação oficial e, além disso, concedeu-lhes um território sem presença policial para consolidar a atividade criminosa”.
Em 2016, o Trem de Aragua chegou a Bogotá e hoje é o núcleo de mais de 50 facções criminosas dedicadas à extorsão na capital colombiana, mostra o mais recente relatório da Fundação Paz e Reconciliação. Desde então, a organização conquistou mais territórios na Colômbia, implodindo as redes criminosas locais por meio de um ciclo de traições que culminou com o desaparecimento de grupos como o Los Camilos.
O Trem de Aragua inicialmente atuava na fronteira do país com a Venezuela, mas logo viu na Colômbia uma boa oportunidade para traficar e estabelecer alianças, por exemplo, com os guerrilheiros do Exército de Libertação Nacional (ELN). No entanto, foram combatidos na área e precisaram se deslocar dentro do país. Migraram para outras cidades colombianas, onde se dedicam principalmente ao narcotráfico, mas também estão envolvidos com venda de armas e moradias ilegais, e extorsões que afetam desde profissionais do sexo a comerciantes locais.
Ao sul, a situação é semelhante. No Chile, o grupo também penetrou em parte do território. Informações coletadas pelo El Mercurio indicam que Los Gallegos — um subgrupo inicialmente associado ao Trem de Aragua — opera na cidade portuária de Arica desde 2022. Autoridades também identificaram a atuação de gangues do Peru, como Los Pulpos, e da Colômbia, como Los Espartanos. Por outro lado, o Ministério Público chileno detectou indivíduos ligados ao Cartel de Sinaloa e ao Cartel de Jalisco Nova Geração, os maiores do México. A presença de criminosos do Primeiro Comando da Capital (PCC) é investigada.
O Trem de Aragua e o PCC também estão presentes no Peru. O grupo venezuelano chegou no país andino em 2020, por meio da facção Los Gallegos, para controlar as zonas de exploração sexual na capital. Em 2022, o MP e a polícia desferiram um duro golpe contra a facção e seus principais líderes foram presos. Os Los Gallegos se separaram formalmente do Trem de Aragua e hoje têm uma organização muito diferente da inicial, aponta o diário peruano El Comercio. Outros grupos, como La Nueva Jauría e Los Hijos de Dios, também operam em regiões onde a informalidade é alta. Como resultado, o Peru vive sua pior crise de segurança pública em dez anos.
Na Argentina, a criminalidade não afeta apenas a capital. Em Rosário, a extorsão faz parte do cotidiano e envolve máfias locais: há mais de 20 anos, a gangue Los Monos e o clã Alvarado assumiram o controle das atividades criminosas da cidade.
O tráfico de drogas também é presente no Uruguai. Segundo o El País, várias organizações criminosas da região estão presentes no território, que é um dos locais preferidos dos cartéis para enviar carregamentos para a Europa e para a África por via marítima.
O cenário também se repete no México, onde se estima existirem mais de 80 grupos e 16 gangues cuja principal fonte de financiamento é a extorsão, gerando mais de 36 bilhões de pesos mexicanos (R$ 10,8 bilhões) por ano, informa o El Universal. As organizações conquistaram a hegemonia por meio de confrontos armados, assumindo o controle de vários territórios. Alguns, como o Cartel de Jalisco Nova Geração, expandem suas redes vendendo o uso do nome a facções locais. Os grupos ainda destroem economias locais ao cobrar taxas de agricultores, comerciantes, transportadores, prefeitos e até beneficiários de programas sociais.
*O Grupo de Diários América (GDA), do qual O GLOBO faz parte, é uma importante rede de mídia que promove valores democráticos, imprensa independente e liberdade de expressão na América Latina.
Fonte: O Globo