Mortes causadas por ciclones podem ser 300 vezes maior que números oficias

Um homem atravessa uma estrada encharcada durante as chuvas em Patuakhali em 27 de maio de 2024, após a chegada do ciclone Remal em Bangladesh.
Um homem atravessa uma estrada encharcada durante as chuvas em Patuakhali em 27 de maio de 2024, após a chegada do ciclone Remal em Bangladesh. — Foto: Munir Uz Zaman/AFP

Enquanto um tufão atingia Taiwan e equipes de resgate procuravam sobreviventes do furacão nos Estados Unidos, nesta quarta-feira, um estudo estimou que o número de mortes a longo prazo causadas por esses ciclones tropicais é cerca de 300 vezes maior do que os números oficiais. O furacão Helene matou pelo menos 155 pessoas no sudeste dos EUA, o furacão John matou pelo menos 16 no México na semana passada e duas pessoas morreram em Taiwan antes mesmo do tufão Krathon atingir a costa, o que é esperado para esta quinta-feira pela manhã.

No entanto, as mortes imediatas registradas durante ciclones tropicais — também chamados de furacões ou tufões, dependendo de onde atingem — representam apenas uma fração do número real de mortes que eles causam nos anos após a tempestade passar, de acordo com uma nova pesquisa. E, como se espera que as mudanças climáticas causadas pelo homem ajudem a tornar os ciclones tropicais mais intensos, os pesquisadores dos EUA pediram que as pessoas nas regiões afetadas recebam mais apoio.

A pesquisa publicada na revista Nature é a primeira a usar modelagem estatística para estimar o número total de mortes em uma região ao longo de um longo período de tempo, disse a principal autora do estudo, Rachel Young, à AFP. Os pesquisadores analisaram 501 ciclones tropicais que atingiram a parte continental dos EUA entre 1930 e 2015, analisando o número de mortes excessivas por todas as causas registradas nos 15 anos seguintes.

O número médio de mortes oficialmente relatadas durante tempestades individuais foi de 24. Mas se as mortes indiretas nos anos posteriores à tempestade fossem contabilizadas, o número médio de mortes por cada uma delas ficaria entre 7.000 e 11.000, cerca de 300 vezes maior do que os números do governo, estimou o estudo.

Isso significaria que os ciclones contribuíram para entre 3% e 5% de todas as mortes registradas nas áreas afetadas na costa atlântica dos EUA ao longo desses 85 anos, disse o estudo. O número total de mortos nesse período pode chegar a cinco milhões, o que significa que os ciclones podem ter contribuído para mais mortes do que acidentes de carro, doenças infecciosas ou mortes em guerras, acrescentou.

Quando os pesquisadores viram pela primeira vez quanto tempo durava o efeito devastador dos ciclones nas comunidades — o que gerou números tão grandes — eles ficaram “muito surpresos e muito céticos”, disse Rachel.

“Ninguém sabia que isso estava acontecendo”, disse Rachel, pesquisador da Universidade da Califórnia, Berkeley.

Rachel e Solomon Hsiang, da Universidade de Stanford, passaram anos tentando descartar outras possíveis explicações para esses números, mas não conseguiram, disse ela. O estudo não conseguiu relacionar diretamente como um furacão específico levou a um excesso de mortes.

Ela comparou os resultados com a forma como o mundo registrou muito mais mortes em excesso durante a pandemia do que aquelas diretamente atribuídas à Covid-19 pelo mundo. Mas os pesquisadores ofereceram algumas teorias sobre como os furacões podem ter contribuído para tantas mortes ao longo dos anos, incluindo perturbações econômicas, danos à infraestrutura, aumento da poluição e do estresse, além da mudança de pessoas em idade produtiva.

Rachel deu o exemplo de uma pessoa que usa suas economias de aposentadoria para consertar sua casa após um furacão, mas mais tarde descobre que não tem dinheiro para assistência médica. Pesquisas anteriores mostraram que os orçamentos dos governos locais e estaduais são menores em regiões atingidas por furacões, prejudicando ainda mais essas comunidades, acrescentou ela.

Muitas dessas pessoas não sabem que sua saúde a longo prazo foi afetada pelas consequências de um ciclone, disse Young. Bebês nascidos entre cinco a 10 anos depois de uma tempestade correm muito mais risco de morrer precocemente em áreas atingidas por ciclones, segundo o estudo.

Pessoas negras também corriam um risco muito maior de morte precoce. Mesmo ajustando para outros fatores, o estudo estimou que viver em uma região atingida por ciclones contribuiu para 15,6% de todas as mortes de negros de 1930 a 2015.

As taxas também variaram por estado. Treze de todas as mortes foram na Flórida, 11% na Carolina do Norte, 9% na Carolina do Sul e 8% na Louisiana ao longo do período de tempo puderam ser rastreadas até os ciclones, disse o estudo. Os dados mostraram que estados atingidos por mais furacões, como a Flórida, foram mais resilientes do que aqueles com menos experiência em serem atingidos.

Mas se as mudanças climáticas ajudarem a levar os furacões para novas áreas, isso poderá levar a maiores taxas de mortalidade nessas regiões inexploradas, alertou Young. Stephen Burgess, epidemiologista da Universidade de Cambridge não envolvido na pesquisa, disse à AFP que sua metodologia era sólida. Mas ele enfatizou que o mundo sempre foi atingido por ciclones.

“Os autores estão perguntando: e se não houvesse ciclones tropicais? Mas esse não é um fator que podemos mudar.”

Fonte: O Globo

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