Mãe Bernadete: ouça diálogos entre traficantes que embasam denúncia aceita pela Justiça contra cinco por execução

A Justiça aceitou, nesta quinta-feira (16), a denúncia apresentada pelo Ministério Público da Bahia (MPBA) contra cinco homens ligados ao tráfico de drogas e que estariam envolvidos diretamente no assassinato da líder quilombola Maria Bernadete Pacífico Moreira, a Mãe Bernadete, de 72 anos. O crime aconteceu em agosto deste ano, na comunidade de Pitanga dos Palmares, no município de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador. A ialorixá foi surpreendida dentro da própria casa, durante a noite daquele dia 17, e foi morta com pelo menos 25 tiros. Tudo aconteceu na frente dos três netos, de 12, 13 e 18 anos.
A denúncia foi recebida pela 1ª Vara Criminal da Comarca de Simões Filho. Nesta quinta-feira, em coletiva de imprensa, investigadores do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas e Investigações Criminais (Gaeco) do MPBA e da Polícia Civil deram mais detalhes sobre a conclusão de que o assassinato foi arquitetado e executado a mando do tráfico de drogas da região.
O MP denunciou por homicídio qualificado por motivo torpe, de forma cruel, com uso de arma de fogo e sem chance de defesa da vítima:
Além dos cinco denunciados, um sexto homem, identificado como Carlos Conceição Santiago, de 41 anos, também está preso, no âmbito de outra investigação que apontou que ele teria armazenado as armas utilizadas no crime. Ele foi denunciado por posse ilegal de arma de fogo de uso restrito.
— As investigações deixaram fartamente comprovado que Mãe Bernadete morreu porque lutava contra o tráfico de drogas na região — disse o coordenador do Gaeco, Luiz Neto, durante a coletiva. — Ela tinha uma legitimidade popular grande. Seus conselhos, orientações e decisões eram ouvidas pela comunidade a qual defendia. Era uma mulher de força, grande líder religiosa.
O promotor de Justiça revelou ainda que Mãe Bernadete teria se posicionado contra a expansão dos negócios do tráfico de drogas na região e mais especificamente contra a construção da chamada “barraca Point Pitanga City”, ponto de venda de drogas de Marílio e Ydney, edificada pelo grupo criminoso na barragem de Pitanga dos Palmares de forma ilegal, uma vez que o local é área de preservação ambiental.
A reportagem obteve áudios que mostram dois diálogos entre os traficantes que foram tidos pelos investigadores como indícios-chave de que o tráfico de drogas estaria envolvido no crime. No primeiro, Sérgio Ferreira de Jesus envia uma mensagem destinada às lideranças da quadrilha, com objetivo de inflamá-los contra Mãe Bernadete:
Sérgio Ferreira de Jesus: “Fiquei sabendo aqui dentro do quilombo que Bernadete falou que no dia da festa vai cercar tudo de polícia, vai pegar todo mundo aí. Ela tá mandando um carro preto aí cheio de polícia pra tirar fotos das barracas. Tudo é policial civil, diz que vai pegar vocês tudo de surpresa. Ela disse que vai dar risada quando todo mundo estiver na cadeia. Você fique ligado aí, ó. Avisa ao Café que ela que está mandando os policiais aí. Fique ligado nos carros pretos, que é polícia, e vai pegar vocês tudo na moita“.
No segundo áudio, enviado após o assassinato da líder quilombola, orienta que os traficantes se livrem dos celulares da vítima e de seus netos, que foram levados por Josevan e Arielson.
Sérgio Ferreira de Jesus: “O celular que você levou aí, tira a bateria, enterra o celular que está com o rastreador da Federal. Esconde bem escondido, arranca o chipe e desliga o celular. Enterra essa peste, viu, que já está com rastreador um aí que você levou. O dela está com o rastreador“.
De acordo com as investigações, os autores dos disparos contra Mãe Bernadete foram Arielson da Conceição e Josevan Dionísio. Marílio dos Santos, líder local da facção, é apontado como mandante, juntamente com seu braço direito, Ydney Carlos dos Santos. Sérgio Ferreira, padrasto de Marílio, teria orientado aos autores sobre como proceder para melhor execução do assassinato e passado as informações que motivaram o homicídio. Arielson e Josevan também foram denunciados por roubo, já que, após a execução, levaram cinco celulares que pertenciam à ialorixá e seus netos.
— É claro para a equipe de investigação que a líder quilombola era legitimada pela comunidade, tinha liderança forte pelos interesses do quilombolas, e quando sua liderança se contrapôs aos interesses do tráfico na região, ela acabou pagando com a própria vida — disse a delegada Andréa Ribeiro, do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), durante a coletiva.
Ainda segundo a Polícia Civil, até a conclusão do inquérito foram ouvidos 80 depoimentos, emitidos 14 laudos periciais e 17 relatórios técnicos e de investigação.
Fonte: O Globo