Impulsionados pela pior onda de calor do ano, incêndios crescem 74% no país em novembro

A oitava e mais forte onda de calor deste ano, que começou no último dia 8, contribuiu para aumentar substancialmente os focos de incêndio no país em novembro. Desde o início do fenômeno até ontem, houve 6.395 eventos de fogo no Brasil, número 74% maior do que o registrado na mesma semana em 2022 e 307% maior que o visto em 2021. Das dez maiores ocorrências, oito estão no Pantanal.
Há 10 dias, uma queimada começou ao norte do Parque Estadual Rio Negro, em Corumbá (MS), afetando 80 hectares. As chamas se alastraram e acabaram se transformando em um grande rastro de fogo que agora atinge uma área de mais de 60 mil hectares, chegando à beira da BR-262. O cenário é atípico. Historicamente, não costumam ocorrer incêndios no bioma em novembro, mês marcado pelo início da temporada de chuvas.
— Até o dia 10, o fogo no parque estava sob controle. Com a alta da temperatura ele teve um comportamento extremo, altamente agressivo. Em 24 horas, queimou grandes áreas. O mais impressionante é que avançou na madrugada, o que é muito incomum. Mostra como o calor está forte à noite. Eu brinquei que até no inferno dá uma refrescada às 5 da manhã. Aqui no Pantanal não, está muito quente o tempo todo — afirma Marcio Yule, coordenador do Prevfogo, o centro técnico de incêndios florestais do Ibama, no Mato Grosso do Sul.
Fogo no Pantanal não era um problema até agosto, diz Yule. Os registros estavam 25% abaixo da média histórica. O cenário seguia a tendência nacional, de menos incêndios do que nos últimos anos, com a redução do desmatamento criminoso, explicam especialistas. Até ontem, houve 166 mil focos de queimada no país neste ano. Em 2022, no mesmo recorte, foram 186 mil.
Tudo começou a mudar a partir das ondas de calor. O número de focos de queimada no Pantanal agora já é 244% maior que o do ano passado (considerando o período até 14 de novembro). Foram 4.320. A quantidade é ainda abaixo do recorde histórico, de 2020: 21.754. Mas o período chama a atenção. Nem em 2020 houve tanto fogo em novembro quanto agora.
— Estava extremamente tranquilo. Mas em setembro houve uma onda de calor, o que já causou problemas. E em outubro mais ainda. Em condições normais, já estaríamos começando o período de chuva. Mas estamos na terceira onda de calor, bastante severa — complementa Yule.
O único incêndio que superava ontem o de Corumbá está no entorno do Parque Nacional do Pantanal. Iniciado no final de outubro, já afetou mais de 200 mil hectares. Segundo Yule, o combate é dificultado pela falta de acessos e de logística para os brigadistas, como ausência de hotéis e restaurantes. É preciso montar acampamentos a cada operação, que reúnem até 80 pessoas. Três helicópteros do Ibama foram enviados à região, e o governo federal discute novas ações com os governos do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul.
O governo do Mato Grosso afirmou que atua em oito frentes de combate aos incêndios no Pantanal, com cerca de 100 militares em campo, “auxiliados por satélites que acompanham em tempo real a evolução dos incêndios, para traçar as estratégias diariamente”. Ontem, foi publicado um decreto de emergência ambiental com duração de 60 dias que aumenta o período de proibição de queimadas controladas. Já o governo do Mato Grosso do Sul informou que as ações de combate ao fogo foram intensificadas com aeronaves dos Bombeiros e da Polícia Militar.
Outra frente de fogo nesta semana está entre Santarém e Altamira, no Pará. Em outubro, as queimadas no Amazonas levaram cinzas para as ruas de Manaus, e o temor é que a cena se repita. A terceira frente de incêndio é em pequenas queimadas pulverizadas no interior do país, em especial em pequenas propriedades rurais. Essa situação afeta Minas, Bahia, Tocantins, Mato Grosso, Rondônia, o Maranhão e o Piauí, além do Sul do Amazonas e o Leste do Acre.
Tradicionalmente, 96% dos incêndios são causados pelo homem. Mas a onda de calor torna a vegetação mais suscetível ao fogo.
— As altas temperaturas ressecam a vegetação. Combinado com redução da umidade, se cria condição ideal para propagação rápida de incêndio. A grande maioria são queimadas não controladas, atividades agrícolas e desmatamento ilegal. Por isso são essenciais as medidas preventivas, fiscalização e educação ambiental — diz Fernando Rodavalho, especialista em manejo integrado do fogo do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê).
Rodavalho acrescenta que a seca extraordinária dificulta o planejamento de políticas públicas de combate ao fogo, por extremo e fora da época prevista.
— O El Niño está levando o problema a novos lugares, com incêndios florestais em períodos que não estávamos acostumados. Isso mexe inclusive em na contratação de mão de obra especializada, como brigadistas. É necessário pensar o que pode acontecer a partir de agora. O El Niño está previsto para durar até maio do ano que vem, e não sabemos qual vai ser o resultado.
Os focos de queimada estavam abaixo do histórico recente também na Amazônia, lembra Mariana Napolitano, diretora de Estratégia do WWF-Brasil.
— O desmatamento foi reduzido esse ano na Amazônia. Mas estamos tendo aumento do fogo. É a seca mais severa dos últimos 120 anos, associada a matas mais degradadas, fáceis de queimar. Qualquer faísca ou bituca de cigarro na beira de estada pode virar um incêndio — afirma a especialista, que alerta para os riscos à saúde. — Há um número muito maior de internações hospitalares por questões respiratórias.
Fonte: O Globo