O ataque atribuído a Israel contra uma base aérea iraniana em Isfahã na madrugada desta sexta-feira atingiu uma parte crucial de um sistema de defesa aérea do Irã, publicou o New York Times neste sábado. Imagens de satélites analisadas pelo veículo mostraram que a ofensiva na base de Shekari danificou o radar “flap-lid”, usado nos sistemas de defesa aérea S-300 para rastrear alvos entrantes, como aeronaves ou mísseis. A localização da área danificada foi apontada pelo perfil Aurora Intel no X (antigo Twitter), e as descobertas foram confirmadas por Chris Biggers, ex-analista de imagens do governo dos Estados Unidos.
Segundo o New York Times, o radar é normalmente cercado por vários veículos, incluindo quatro caminhões que carregam mísseis. Antes do ataque, esses armamentos foram vistos posicionados ao lado do radar. Depois, eles foram movidos e não pareciam visualmente danificados. Ainda não está claro o motivo pelo qual os mísseis foram deslocados, mas, na avaliação de Biggers, apenas o fato de parecerem intactos indica que o ataque israelense teve um alvo “preciso”. A ofensiva, no interior do Irã e com vários locais sensíveis nas proximidades, pode sugerir que Tel Aviv escolheu como alvo específico o sistema de defesa aérea.
Enquanto o ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amir Abdollahian, minimizou a ofensiva, afirmando neste sábado que Teerã só reagiria se seus “interesses” fossem atacados, autoridades ocidentais afirmaram que a ação tinha como objetivo mostrar ao Irã que Israel poderia paralisar as defesas do país. A localidade atingida, inclusive, parece ter sido cuidadosamente escolhida para passar uma mensagem, já que Isfahã é a terceira maior cidade iraniana e abriga uma das maiores bases militares da república islâmica, além de ser um centro de desenvolvimento tecnológico e ter instalações nucleares.
Não se sabe exatamente que tipo de arma atingiu o sistema de defesa aérea do Irã. Três autoridades ocidentais e duas iranianas disseram ao New York Times que Israel usou drones aéreos e pelo menos um míssil disparado de um avião de guerra. Este último, segundo oficiais ocidentais, incluía uma tecnologia que permitia evadir as defesas de radar do Irã. Nem ele e nem a aeronave que o disparou entraram no espaço aéreo jordaniano, ressaltaram, um gesto destinado a manter o local fora do conflito. Os dois iranianos indicaram que o Exército do Irã não detectou nada entrando no espaço aéreo local na sexta-feira.
Pouco após o ocorrido, um alto funcionário iraniano afirmou à agência Reuters que não havia planos de Teerã para uma retaliação imediata, e que os drones abatidos teriam sido pilotados por “infiltrados de dentro do Irã”. A agência de notícias estatal do país, IRNA, relatou que nenhum ataque de mísseis ocorreu e que o sistema de defesa aérea iraniano não foi ativado. De acordo com o Projeto de Defesa de Mísseis do think tank de Washington Center for Strategic and International Studies, o Irã adquiriu sistemas de defesa aérea S-300 de fabricação russa para deter ataques aéreos israelenses e de outros países.
As tensões entre Irã e Israel, inimigos de longa data, aumentaram neste mês após uma série de ataques. Em 1º de abril, aviões de guerra israelenses atingiram um prédio do Consulado iraniano em Damasco, matando ao menos 16 pessoas, incluindo sete comandantes de alto escalão da Guarda Revolucionária iraniana. A retaliação ocorreu no último sábado, quando Teerã disparou mais de 300 drones e mísseis contra o território israelense — quase todos interceptados. Conforme autoridades ocidentais, Tel Aviv abandonou o plano de responder com um ataque em larga escala e decidiu enviar uma mensagem “tranquila, mas decisiva” para encerrar o ciclo de hostilidades.
Autoridades iranianas e israelenses se abstiveram de comentar publicamente o ataque desta sexta-feira, uma medida que parecia destinada a desescalar o conflito que alguns temem que possa se transformar em uma guerra regional mais ampla e incontrolável. O silêncio de Israel sobre o caso, disse um oficial iraniano, permitiria que Teerã tratasse o assunto da mesma maneira como lidou com ofensivas clandestinas anteriores na longa guerra de sombras entre os dois países, sem provocar uma resposta imediata.
Analistas apontaram que o ataque do Irã contra Israel foi “calibrado” para mandar uma mensagem — e não para configurar uma declaração de guerra. Da mesma forma, a réplica israelense pareceu seguir o mesmo sentido. Sanam Vakil, diretora do programa do Oriente Médio e Norte da África do grupo de pesquisa Chatham House, escreveu ao New York Times que, se mais ofensivas não forem registradas, a ação do Estado judeu sinaliza “uma disposição para diminuir a escalada dessa rodada perigosa”. Para ela, “o ataque a uma instalação militar parece ter correspondido ao de Teerã em termos de alvo, escopo e danos”.
No amanhecer de sexta-feira, segundo publicado pelo Guardian, veículos de imprensa iranianos passaram a tentar tranquilizar as pessoas de que o país não enfrentou uma grande ameaça. Um âncora chegou a afirmar que tudo estava “de volta ao normal” em transmissão na Press TV, o canal de língua inglesa da emissora estatal iraniana. Em outro vídeo, que teria sido filmado em Isfahã e foi transmitido pelo mesmo veículo, uma pessoa não identificada disse que não houve danos à área. Imagens mostravam ruas calmas, e os aeroportos também foram reabertos depois de um breve fechamento durante a madrugada.
— A maneira como eles apresentam [a situação] ao seu próprio povo, e o fato de que os céus já estão abertos, lhes permite decidir não responder — disse Sima Shine, especialista em Irã e ex-chefe de pesquisa do Mossad, a agência de inteligência estrangeira de Israel. — [No entanto,] cometemos tantos erros de avaliação que estou muito hesitante em afirmar isso definitivamente. (Com AFP e New York Times)
Fonte: O Globo