Gaza mostra limites e potencial da China

Palestinos procuram sobreviventes nos escombros de prédios bombardeados por Israel em Jabaliya, no norte da Faixa de Gaza
Palestinos procuram sobreviventes nos escombros de prédios bombardeados por Israel em Jabaliya, no norte da Faixa de Gaza — Foto: Bashar TALEB / AFP

Desde que sucedeu o Brasil na presidência do Conselho de Segurança da ONU, na última semana, o governo chinês tem afirmado que sua prioridade é a guerra de Gaza, com dois objetivos: a obtenção de um cessar-fogo e de uma solução permanente para o conflito entre israelenses e palestinos. Ambas as ambições contêm imensas dificuldades, e delineiam os limites e capacidades da China como potência diplomática ascendente.

Os obstáculos enfrentados pelo Brasil para aprovar uma resolução sobre a crise em Gaza não serão muito diferentes, mesmo com a China como membro permanente do Conselho de Segurança na Presidência rotativa do órgão. Assim como ocorreu com a guerra na Ucrânia, a discussão do conflito deve continuar emperrada pela rivalidade entre EUA e China, deixando de lado princípios da Carta da ONU, como o direito de defesa, e a urgência humanitárias da proteção de civis.

Antes do ataque terrorista do Hamas de 7 outubro, o governo chinês vinha declarando interesse em assumir um papel ativo na busca de uma solução para o conflito com Israel, embora sem identificar medidas práticas. A proposta apresentada em julho pelo presidente Xi Jinping foi mais uma declaração de princípios do que um plano concreto. A escalada em Gaza demonstrou que a posição chinesa é pautada pelo interesse geopolítico de deter a influência dos EUA e alinhar-se com o sul global, com nítida inclinação para o lado palestino.

O fracasso em aprovar as propostas de resolução sobre a guerra em Gaza no mês em que o Brasil presidiu o Conselho de Segurança deixou claras as diferenças entre os membros permanentes do órgão, particularmente China e EUA. A primeira foi barrada pelos EUA, num protesto contra a ausência de menção ao direito de defesa de Israel. A segunda, proposta pelos americanos, teve veto de China e Rússia porque os dois países consideraram que a inclusão do direito de defesa de Israel daria carta branca aos bombardeios em Gaza.

No fim das contas, ao derrubar o texto americano a China também negou a possibilidade de aprovar o estabelecimento de “pausas humanitárias” no confronto em Gaza, que havia aprovado na proposta e era a medida mais urgente em discussão. O representante chinês justificou o veto afirmando que a resolução era “desequilibrada” por não mencionar “a raiz do problema”, em alusão à ocupação israelense dos territórios palestinos. Para Pequim, marcar posição foi mais importante que a imediata proteção de civis em Gaza.

Mesmo sendo uma proposta americana, não havia garantia de que Israel atenderia o apelo por uma pausa humanitária. Mas o fato de EUA e China terem sabotado uma ideia que defendiam apenas para não dar moral ao outro é mais um lembrete dos efeitos destrutivos da rivalidade entre os dois países. Se o Conselho de Segurança oferece um palco onde o duelo fica evidente, é nos bastidores que ambos podem contribuir para que a crise em Gaza não se torne uma guerra regional, agindo em suas respectivas áreas de influência.

Também depende de um alinhamento entre Pequim e Washington o que ocorrerá no pós-guerra. Com Israel decidido a dar um ponto final ao poder do Hamas em Gaza, uma das ideias é o estabelecimento de uma missão interina da ONU para administrar o território. Os modelos mais recentes são os aprovados para Kosovo e Timor Leste, em 1999. Mas ambos só saíram do papel porque houve acordo no Conselho de Segurança com a anuência de Washington, Pequim e Moscou, algo que hoje parece distante.

Fonte: O Globo

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