Fechamento repentino da fronteira por governo Biden divide famílias venezuelanas

Miguel Peñaranda, sua mulher e dois enteados acreditavam que a longa odisseia que começou há sete anos, quando deixaram a Venezuela, tivesse terminado quando eles chegaram aos Estados Unidos, em 6 de outubro. Mas, no final das contas, seus piores problemas tinham apenas começado.

Depois de se entregarem à Patrulha de Fronteiras dos Estados Unidos em El Paso, no estado do Texas, os Peñaranda foram colocados em celas separadas –para homens e mulheres–, pelo que eles supuseram ser um ou dois dias, para processar o pedido inicial de asilo.

Peñaranda, 44, e seu enteado de 18 anos foram libertados três dias depois em Brownsville, no Texas, mas não havia sinal de sua mulher ou da enteada, de 20 anos.

Uma semana agonizante se passou antes que Peñaranda recebesse um telefonema de sua mulher, Heyllyn Yepez. ‘Meu amor, estou tão aliviado em ouvir sua voz’, ele se lembra de ter dito. Ela soluçava ao telefone. ‘Estamos no México!’, disse. ‘Fomos deportadas e enviadas para Acapulco.’

A família foi uma das muitas que foram separadas pelo fechamento repentino da fronteira pelo governo Biden, no mês passado, para os migrantes venezuelanos que chegavam em grande número aos EUA.

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A decisão de expulsar os venezuelanos sob uma política da era da pandemia, que permite expulsões rápidas, antes aplicada principalmente a mexicanos e centro-americanos, teve o efeito imprevisto de isolar muitas famílias venezuelanas em lados opostos da fronteira EUA-México.

Um venezuelano em Utah ganhou dinheiro suficiente para mandar buscar sua mulher e três filhos pequenos, mas todos foram retidos no México quando foi anunciada a ampliação da política de expulsão.

Uma venezuelana que chegou a Nova York em setembro com seu marido e dois filhos disse que sua mãe e irmãs ficaram retidas na Costa Rica, incapazes de se juntar a ela se a fronteira permanecesse fechada.

‘Elas não podem voltar para casa, porque teriam que atravessar a selva. E não podem vir para cá’, disse a mulher, Loiseth Colmenares, 30. ‘A maioria das famílias está assim —tínhamos familiares a caminho e agora não podemos trazê-los. Estamos perdendo a esperança de nos reunirmos com nossas famílias.’

Três governadores republicanos salientaram o que seu partido chamou de ‘crise da fronteira de Biden’: o transporte de milhares de migrantes da fronteira para cidades como Nova York, Washington e Chicago, cujas autoridades municipais despreparadas e organizações beneficentes tiveram de se esforçar para encontrar abrigo e outros serviços para os migrantes.

Mas o governo Biden criou um novo ciclo de confusão e ansiedade quando de repente impediu a entrada da maioria dos venezuelanos —incluindo muitos que se reuniriam com parentes que já estavam nos EUA.

‘Não é a separação familiar intencional que aconteceu sob Trump, mas ainda está tendo um impacto devastador nas famílias’, disse Wendy Young, presidente da Kids in Need of Defense, organização sem fins lucrativos dedicada à proteção de crianças migrantes desacompanhadas.

‘É uma consequência de políticas de imigração que não foram bem pensadas’, disse ela.

As separações familiares inadvertidas são apenas parte do caos que se seguiu à chegada de muito mais venezuelanos do que as instalações de fronteira dos EUA estavam preparadas para receber.

O governo Biden enfrentou no ano passado o maior fluxo de migração não autorizada desde meados dos anos 2000. Havia quase 200 mil venezuelanos entre os cerca de 2,4 milhões de migrantes detidos na fronteira no ano fiscal de 2022, chegando em meio às crises econômica, política e climática que levaram pessoas de todo o mundo a viajar para os Estados Unidos.

Nas semanas que antecederam a nova política de expulsão, a pressão nas instalações de fronteira americanas foi exacerbada, criando uma situação tumultuada e cujas dimensões só agora estão ficando aparentes, à medida que os migrantes admitidos nos Estados Unidos relatam suas dificuldades.

Em alguns casos, parece que os agentes da Patrulha de Fronteiras estavam enviando venezuelanos para cidades aparentemente aleatórias em todo o país, como Denver, Salt Lake City e Sacramento, na Califórnia, onde muitos não tinham parentes ou amigos para recebê-los.

Trabalhadores humanitários nessas cidades disseram que alguns imigrantes chegaram com documentos de imigração que citavam endereços arbitrários onde lhes haviam dito que encontrariam assistência –embora os abrigos locais não tivessem sido criados para recebê-los.

Autumn Gonzalez, advogada voluntária e membro do conselho da NorCal Resist, uma rede de imigrantes sem fins lucrativos, disse que oito imigrantes perplexos apareceram em Sacramento em setembro com um endereço que seria um abrigo, segundo lhes disseram na fronteira. Acabou sendo um prédio de escritórios. ‘Isso é brincar com a vida das pessoas’, disse ela.

Luis Miranda, porta-voz do Departamento de Segurança Interna, disse que os agentes da Patrulha de Fronteiras perguntavam aos migrantes para onde pretendiam ir quando fossem libertados da custódia. Aqueles que não sabiam podiam dar um endereço de uma organização não governamental, explicou ele.

Miranda afirmou que não houve separação deliberada de famílias, mas que pode ter havido casos em que membros adultos da família não puderam ser legalmente processados ou detidos juntos e se separaram.

‘Nos casos em que isso aconteceu e fomos informados do problema, tomamos medidas proativas para reunir esses familiares’, disse ele em comunicado.

Membros do Kids in Need of Defense disseram que alguns venezuelanos agora isolados no México estão tão desesperados que tentam enviar seus filhos sozinhos para um lugar seguro nos EUA, sabendo que os menores não serão expulsos –situação que cria mais separações. ‘Nós os aconselhamos sobre os riscos associados a essa opção’, disse Megan McKenna, diretora de engajamento público do grupo.

Peñaranda disse que sua família ainda está avaliando o que fará. Retornar à Venezuela não é uma opção, e ele não tem certeza se as autoridades mexicanas permitiriam que todos permanecessem no México.

‘Eu preferiria ser enviado para a China, a qualquer lugar, do que ser separado’, disse ele. ‘Entendo que essa não era a maneira certa de entrar no país. Mas esta não é a maneira de tratar as pessoas.’

Da Folha

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