Diálogos sobre um cessar-fogo estão em andamento para resolver dois conflitos interligados no Oriente Médio, que mataram dezenas de milhares de pessoas e ameaçam levar a uma guerra regional mais ampla. Na quinta-feira, dois integrantes do governo dos EUA mantiveram conversas em Israel e no Egito, em uma tentativa de encerrar os conflitos entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza, e entre Israel e o Hezbollah no Líbano. Enviados israelenses, egípcios, americanos e cataris também se encontrararm em Doha, no dia 28 de outubro.
Desde o ataque do dia 7 de outubro do ano passado, cometido pelo Hamas, quando 1,2 mil pessoas foram mortas e cerca de 250 feitas reféns, mais de 43 mil palestinos morreram em Gaza, e quase 3 mil pessoas perderam a vida no Líbano, de acordo com autoridades locais, que não fazem distinção entre civis e combatentes.
Entenda quem são as partes envolvidas nas conversas, sobre o que tratam as negociações e os maiores entraves.
Principais atores
Catar e Egito negociam em nome do Hamas, que não participa diretamente das conversas. Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, premier do Catar, está envolvido diretamente no diálogo; O general Abbas Kamel era o principal nome do Egito, mas foi removido de seu cargo de chefe da inteligência, e seu papel nas conversas, que também incluem o presidente Abdel Fattah el-Sisi, ainda é incerto;
O chefe do serviço de inteligência estrangeira, o Mossad, David Barnea, é um dos principais negociadores, ao lado de Ronen Bar, que comanda o Shin Bet, o serviço de inteligência interna, e Nitzain Alon, um general de alta patente;
O diretor da CIA, William Burns, tem um papel-chave em nome dos EUA, ao lado do coordenador da Casa Branca para o Oriente Médio, Brett McGurk.
O que estão negociando?
Os pontos centrais do cessar-fogo giram em torno do fim dos combates entre Hamas e Israel em Gaza, da retirada israelense do enclave, e da libertação dos cerca de 100 reféns que ainda estão em poder do grupo terrorista, em troca de prisioneiros palestinos detidos em Israel;
Em outubro, mediadores sugeriram uma proposta de curto prazo: uma trégua temporária e a libertação de alguns reféns em troca de poucos prisioneiros palestinos. O plano incluía um componente de ajuda humanitária para enfrentar a escassez aguda de comida, remédios e insumos básicos em Gaza, e poderia abrir caminho para um acordo mais amplo;
Várias versões dessa proposta estão em discussão. Uma delas sugere libertar mulheres e homens com mais de 50 anos em troca de um número pré-determinado de prisioneiros palestinos, segundo uma pessoa que participou das conversas e que não quis ter o nome divulgado. Em outra versão, o Hamas libertaria quatro reféns ao longo de 10 dias, segundo outra pessoa com conhecimento sobre as discussões.
Quais são os maiores obstáculos?
Os detalhes são onde as coisas se complicam: os termos, os prazos e como aconteceria a retirada israelense; quem estaria a cargo de Gaza depois da retirada; e como seria a troca de reféns por prisioneiros;
O Hamas insiste que Israel se comprometa com uma retirada completa e permanente de Gaza. O premier Benjamin Netanyahu afirma que seu país precisa controlar uma faixa de 14 km de extensão perto do Egito, conhecida como Corredor Filadélfia, para garantir que o Hamas não conseguirá mais armas;
O Hamas rejeitou a proposta mais econômica que surgiu durante as conversas do fim de semana no Catar, sugerindo que o impasse será de difícil resolução;
Israel quer ainda a opção de retomar as operações militares em Gaza depois de uma suspensão nos combates; Netanyahu afirma ser necessário varrer o Hamas como uma força militar e política. Isso fundamentalmente contradiz a premissa do grupo palestino de que um cessar-fogo levaria ao fim da guerra e removeria Israel de Gaza;
Quais são os últimos acontecimentos?
Burns se encontrou com negociadores no Cairo na quinta-feira, incluindo al-Sisi. McGurk e Amos Hochstein, na prática o enviado especial do presidente Joe Biden para o conflito no Líbano, conversou com Netanyahu e Yoav Gallant, ministro da Defesa de Israel;
Os negociadores esperavam que o Hamas estaria mais disposto a conversar depois da morte de seu líder, Yahya Sinwar, no mês passado, mas têm dito que nada mudou até agora;
Existe uma expectativa pela eleição presidencial nos EUA. Netanyahu vê vantagens em atrasar as conversas, segundo integrantes do governo israelense, na esperança de que seu governo receberá mais apoio se Donald Trump for eleito.
Principais atores
O líder do Hezbollah, Naim Qassem, que assumiu o posto depois que um ataque israelense matou o antigo líder, Hassan Nasrallah, tem demonstrado alguma abertura a um cessar-fogo;
Ele está em contato com Nabih Berri, presidente do Parlamento libanês, que é um velho intermediário entre os EUA e o Hezbollah;
Najib Mikati, premier libanês, está em contatos recorrentes com mediadores internacionais;
Hochstein, um formulador de políticas energéticas nascido em Israel que se tornou o principal enviado americano para o conflito, troca mensagens com o Hezbollah através de Berri. O Hezbollah está na lista de organizações terroristas do governo americano, e funcionários dos EUA não podem conversar com o grupo diretamente;
Hochstein e McGurk se encontraram com integrantes do governo israelense para discutir uma pauta que também incluía o Líbano. Israel não negocia diretamente com os libaneses, e Hochstein serve como um moderador, mantendo contato com Netanyahu e Gallant;
Embora as conversas sobre o conflito no Líbano sigam um curso diferente das sobre Gaza, há pessoas envolvidas nos dois modelos de negociações.
O que estão negociando?
Israel está realizando uma guerra por terra no sul do Líbano e lançando ataques aéreos ao redor do país. Seu objetivo é afastar as forças do Hezbollah de áreas próximas à fronteira, permitindo que 60 mil pessoas voltem às suas casas no norte israelense, sem o medo dos foguetes do grupo xiita;
O governo libanês quer a retomada do plano de cessar-fogo de 2006, detalhado pela resolução 1.701 do Conselho de Segurança da ONU, que tentou, sem sucesso, criar uma zona tampão entre a fronteira norte de Israel e o rio Litani, patrulhada por forças de paz da ONU e pelo Exército libanês;
O Hezbollah diz que não vai parar de lutar até que Israel saia de Gaza, mas em discurso no fim de outubro, o novo líder do grupo, Naim Qassem, sugeriu que estaria aberto a um acordo sob condições “aceitáveis”, ao mesmo tempo em que garantiu estar preparado para continuar combatendo;
Quais são os maiores obstáculos?
A resolução 1.701 fracassou. O Hezbollah não se desarmou ou saiu do sul do Líbano, e ao invés disso reforçou seu arsenal, se tornando a milícia armada mais poderosa do mundo;
O Exército libanês não é capaz de controlar o Hezbollah, que é um ator influente dentro do governo libanês, e as forças de paz da ONU não têm o poder de fazê-lo. Não se sabe o que poderia ser necessário para permitir que os dois atores pudessem exercer um poder de polícia na zona tampão no sul do Líbano;
O Hezbollah disse que sua presença na zona desmilitarizada é justificada porque Israel não cumpriu seu compromisso de sair completamente do Líbano. A ONU disse que Israel o fez, mas o Hezbollah aponta para as Fazendas de Shebaa, que os israelenses consideram parte das Colinas de Golã, capturadas da Síria em 1967 e que não são consideradas parte do Líbano;
Israel quer que qualquer acordo de cessar-fogo deixe claro que poderá invadir novamente o Líbano se os termos forem violados. Esse ponto tem sido um entrave nas conversas.
Fonte: O Globo