A ex-primeira dama dos Estados Unidos, Melania Trump, defendeu ferozmente o direito ao aborto em seu livro de memórias, que será publicado a um mês da eleição. Na obra, à qual o jornal britânico The Guardian teve acesso, ela diz que ser “imperativo garantir que as mulheres tenham autonomia para decidir sua preferência de ter filhos, com base em suas próprias convicções, livres de qualquer intervenção ou pressão do governo”.
A declaração acontece em meio a uma campanha eleitoral em que o tema é o principal calcanhar de Aquiles do seu marido, o ex-presidente Donald Trump, e frequentemente usado pela sua rival, a vice-presidente Kamala Harris, para atacá-lo — relembrando seu papel na revogação constitucional do direito pela Suprema Corte, em 2022. Graças às nomeações feitas por Trump, o tribunal obteve uma maioria de juízes conservadores suficiente para mudar o entendimento de Roe vs. Wade, decisão que garantia acesso ao aborto em todo o país. Desde então, ficou a cargo dos estados legislarem sobre o assunto, e mais de dez deles, todos predominantemente republicanos, proibiram total ou parcialmente o procedimento.
“Por que alguém, além da própria mulher, deveria ter o poder de determinar o que ela faz com seu próprio corpo? O direito fundamental de liberdade individual de uma mulher, à sua própria vida, concede a ela a autoridade para interromper a gravidez, se assim desejar”, escreveu Melania. “Restringir o direito de uma mulher de escolher se deseja interromper uma gravidez indesejada é o mesmo que negar-lhe o controle sobre o próprio corpo. Carreguei essa crença comigo durante toda a minha vida adulta.”
Conhecida por raramente dar entrevistas ou expressar suas opiniões em público, os relatos do livro, que será publicado na terça-feira, mostram uma Melania fora de sintonia com o Partido Republicano, que nos últimos anos vem avançando sobre diversos direitos reprodutivos, incluindo tratamentos de fertilidade e fertilização in vitro. A pauta é central para alguns eleitorados cativos da sigla, como evangélicos e católicos conservadores, que façam grandes doações em nome da agenda.
Embora Trump pessoalmente evite tecer opiniões mais duras, temendo os danos à sua popularidade, diversas figuras importantes do seu entorno já deram declarações radicais. Seu próprio companheiro de chapa, o senador JD Vance, disse, em 2021, se opor ao aborto mesmo em caso de estupro e incesto: “dois erros não fazem um acerto”, justificou na época. Segundo ele, que recentemente indicou que apoiaria uma proibição nacional ao procedimento, deve haver exceções apenas para casos em que a vida da mãe esteja em perigo.
Em novembro, quando eleitores do estado da Flórida forem às urnas, além de votar nos seus candidatos a presidente e congressistas, também decidirão num plesbicito sobre o direito ao aborto no estado. Com endereço eleitoral em Mar-a-Lago, em Palm Beach, Trump foi questionado se votaria pela proteção do acesso ao procedimento no estado, e disse que não. A julgar pelo livro de Melania, sua esposa parece estar propensa a votar sim.
Segundo o Guardian, o livro de memórias é pequeno e foca bastante na sua vida antes de se casar com Trump, tanto a juventude na Eslovênia quanto a vida de modelo em Nova York. Embora as opiniões políticas sejam poucas, em dados momentos ela destaca situações em que discordou do marido. Antes de mencionar o aborto, Melania cita divergências em relação à política migratória, sobretudo por também ser uma imigrante.
“Discordâncias políticas ocasionais entre mim e meu marido”, diz ela, são “parte de nosso relacionamento, mas eu acreditava em abordá-las em particular em vez de desafiá-lo publicamente”.
Sobre os direitos reprodutivos, na contramão do marido, que defende que sejam tratados pelos estados, Melania afirma que o direito ao aborto faz parte de “um conjunto de princípios fundamentais” em que não há “espaço para negociação”, tal qual a “liberdade individual”.
Indo além, a ex-primeira-dama pontua a importância da garantia do direito até os últimos estágios da gravidez:
“É importante observar que, historicamente, a maioria dos abortos realizados durante os últimos estágios da gravidez foi resultado de graves anomalias fetais que provavelmente teriam levado à morte ou ao natimorto da criança. Talvez até mesmo a morte da mãe. Esses casos eram extremamente raros e geralmente ocorriam após várias consultas entre a mulher e seu médico. Como comunidade, devemos adotar esses padrões de bom senso. Mais uma vez, o momento é importante”, pontua.
No debate contra Kamala, no mês passado, Trump fez uma declaração falsa afirmando que os democratas defendem o aborto no nono mês, afirmando que o candidato a vice de Kamala, Tim Walz, considerava aceitável a “execução depois do nascimento” — prática que, obviamente, não é permitida em nenhum estado americano. Mais de 90% dos abortos nos EUA ocorrem com 13 semanas de gestação ou antes, de acordo com dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA. Menos de 1% dos abortos ocorrem na 21ª semana ou depois.
Fonte: O Globo