A poucas horas do fim do cessar-fogo entre Hamas e Israel, em vigor desde a sexta-feira passada, um impasse impede uma nova extensão da pausa nos combates, que viabilizou a libertação de dezenas de reféns capturados em 7 de outubro, de cerca de 200 palestinos presos em Israel, além da entrega de ajuda humanitária à população da Faixa de Gaza. Nesta quarta-feira, mais dez reféns israelenses, duas russas-israelenses e quatro tailandeses foram libertados pelo Hamas, e 30 palestinos deixaram o cárcere em Israel, e retornaram para a Cisjordânia.
Em declarações feitas à AFP, uma fonte do Hamas disse que, até o momento, o grupo considerou as propostas israelenses para uma nova extensão do cessar-fogo “insatisfatórias” — o prazo vence às 7 da manhã pelo horário local, 2 da manhã pelo horário de Brasília, e o governo de Benjamin Netanyahu tem declarado, de forma recorrente, que retomará “com toda a força” a operação militar assim que a trégua acabar.
— O que estão propondo nas discussões para prolongar a trégua não é o que há de melhor — disse a fonte do Hamas à AFP. No começo do dia, pessoas ligadas ao grupo tinham sinalizado disposição para estender a trégua por mais quatro dias.
Segundo ele, as conversas estão centradas em uma nova extensão curta, de dois dias, do cessar-fogo: pelo acordo firmado na semana passada, os combates seriam pausados entre a sexta-feira e a segunda-feira, permitindo a saída de reféns e a entrada de ajuda em Gaza, além da libertação de palestinos detidos em prisões israelenses. Na segunda-feira foi acertada uma extensão, que vencerá nesta quinta-feira caso não haja novo acordo.
— A próxima etapa das negociações deve se pautar pela troca de presos de mais de 18 anos, e a resistência está preparada para essa etapa — afirmou o representante do Hamas. Até agora, apenas mulheres e menores de idade foram libertados pelos termos do acordo, mediado pelo Catar com o apoio dos EUA e do Egito. — Se a trégua continuar, a resistência vai acatá-la enquanto a ocupação [Israel] acatar também.
Mais cedo, um dirigente do Hamas tocou em um ponto que promete ser um dos mais sensíveis das negociações daqui em diante: a libertação de militares israelenses sequestrados em Gaza. Em entrevista coletiva na África do Sul, Bassem Naim, ex-ministro da Saúde em Gaza, disse que os soldados poderão voltar para casa imediatamente se Israel concordar em liberar todos os palestinos hoje detidos em prisões israelenses — segundo organizações de defesa dos direitos humanos, há cerca de 5,2 mil palestinos nessa situação, incluindo vários condenados por homicídio e terrorismo.
Nas últimas décadas, trocas de prisioneiros por militares israelenses têm ocorrido com certa frequência. O caso mais conhecido é o de Gilad Shalit, sequestrado em 2006 pelo Hamas perto da fronteira com Gaza e libertado apenas em 2011, em troca de 1.027 prisioneiros, dentre eles Yahya Sinwar, hoje líder do Hamas. Para efeito de comparação, o atual acordo prevê a soltura de dez palestinos para cada civil israelense libertado pelo Hamas.
Apesar do impasse, a libertação dos reféns israelenses ocorreu como previsto, apesar de um atraso na entrega deles à Cruz Vermelha — segundo o Haaretz, essa demora ocorreu por “questões técnicas”, que não afetaram o retorno deles a Israel.
O grupo foi o sexto a ser libertado desde sexta-feira, e dessa vez a lista trouxe apenas dois menores de idade, Gali Tarshansky, de 13 anos , Amit Shani, de 16, e Ofir Angel, de 17— as demais israelenses que retornaram para casa são Yarden Roman Gat, de 36 anos; Raz Ben Ami, de 57; Raaya Rotem, de 54; Liam Or, de 18; Moran Yanai, de 40; e Liat Atzili, de 49.
Duas cidadãs russas, Elena Trupanov, de 50 anos, e a mãe dela, Irena Tatti, de 73, também retornaram a Israel, mas em uma negociação conduzida diretamente entre o Hamas e Moscou. O governo do Catar confirmou ainda que quatro cidadãos tailandeses deixaram Gaza.
De acordo com um comitê palestino responsável por detidos em Israel, 30 prisioneiros serão libertados ainda nesta quarta-feira, sendo que 15 são menores de idade e 15 mulheres, todos residentes em cidades e campos de refugiados na Cisjordânia. Todos devem ser levados da prisão de Ofer, nos arredores de Jerusalém, para Ramallah, de onde seguirão para suas casas. A lista de detentas livres inclui Ahed Tamimi, uma jovem ativista palestina que ficou conhecida por dar socos e tapas em um soldado israelense, em 2017, e ser presa por oito meses em seguida. Em novembro, ela voltou a ser detida por causa de uma publicação no Instagram.
Desde o início do acordo, 210 detentos palestinos deixaram o cárcere, mas grupos de defesa dos direitos humanos apontam que um número similar de pessoas foram presas desde sexta-feira, em operações militares na Cisjordânia — famílias das pessoas libertadas também se queixam de agressões por parte dos soldados, além da imposição de uma “lei do silêncio”, vetando entrevistas a veículos de imprensa, uma regra que por vezes encontra suas próprias maneiras de ser contornada.
Fonte: O Globo