Eleição argentina: Massa reuniu força-tarefa de vários países para enfrentar Milei, de ultradireita

Os últimos a chegarem foram os brasileiros — mais de 20 — depois da surra que o peronista Sergio Massa levou nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (Paso) em agosto, nas quais obteve 21,43%, contra 29,86% do candidato da direita radical Javier Milei. O grupo, que já trabalhou em campanhas do PT em 2018 e 2022, uniu-se a uma tropa de estrategistas de campanha integrada, também, por espanhóis, americanos e uruguaios, além dos próprios argentinos. O esforço para derrotar o partido A Liberdade Avança na Argentina reuniu experiências de diversos países nos quais, na grande maioria dos casos, lideranças da direita radical também sacudiram os sistemas políticos e se tornaram um desafio para os partidos tradicionais — e o status quo em geral.
A disputa entre Massa e Milei ainda tem final aberto, coincidem analistas. Nos últimos dias, empresas de consultoria locais divulgaram os resultados de suas últimas pesquisas em campo e virtuais e, de um total de 25 estudos, o candidato peronista está na frente em oito, e Milei em 17. A média de todas as pesquisas dá 50,9% das intenções de voto para o candidato do partido A Liberdade Avança, e 49,1% para o candidato da aliança entre peronistas e kirchneristas União pela Pátria.
O time brasileiro é comandado por três figuras centrais: Otávio Antunes, Raul Rabello e Halley Arrais. O trio se tornou central na campanha e estabeleceu um vínculo direto e intenso com o candidato peronista. Alguns chamaram a atenção da imprensa local, como Antunes, já conhecido como “el grandote del asado” (o grandão do churrasco, em tradução livre), por sua paixão pela carne argentina. O apelido vazou de dentro da campanha, e foi mencionado em reportagens sobre o consórcio de estrategistas que deu fôlego à candidatura do peronista.
Massa, que financia, segundo fontes da campanha, o trabalho de toda a equipe, começou a sondar os brasileiros bem antes das Paso. Alguns dos estrategistas que trabalharam nas campanhas do PT também atuaram em países da região como Paraguai, Honduras e Peru. Nos dois últimos, foram importantes nas eleições do ex-presidente Pedro Castillo e da atual presidente Xiomara Castro.
— Todos trabalham em equipe, e Massa se relaciona com todos. Se formou uma verdadeira força-tarefa internacional — disse uma fonte da campanha.
A atuação dos estrangeiros, e sobretudo dos brasileiros, incomoda os rivais de Massa, que já se referiram publicamente ao grupo. O ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) afirmou recentemente, a uma rádio local, que os brasileiros eram responsáveis pelo que chamou de campanha do medo contra Milei, agora seu aliado político. O próprio candidato da direita radical questionou publicamente o trabalho dos estrategistas brasileiros e acusou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de interferir na campanha argentina e “semear medo”.
Ao canal de TV do grupo La Nación, Milei afirmou que “Lula está interferindo na campanha, financiando parte dela, e nesse pacote há um conjunto de consultores brasileiros que são os melhores especialistas em campanha negativa, semeiam medo na sociedade”. Fontes da campanha de Massa negaram, assim como o próprio PT, qualquer envolvimento do presidente brasileiro na política argentina.
Assim como os brasileiros têm a experiência de ter derrotado o ex-presidente Jair Bolsonaro nas urnas — e também a de terem perdido para Bolsonaro em 2018 — os americanos, que trabalham, segundo fontes da campanha, para Dan Restrepo, estrategista-estrela das últimas campanhas do Partido Democrata, conhecem profundamente o fenômeno Donald Trump.
Restrepo esteve várias vezes na Argentina nos últimos tempos e, segundo as mesmas fontes, tem diálogo direto e fluido com Massa. O trabalho dos americanos mistura reuniões presenciais e virtuais. Já os brasileiros estão em Buenos Aires desde agosto.
O consórcio de estrategistas internacionais se completa com uruguaios — os menos familiarizados com movimentos de direita radical — e espanhóis. O estrategista catalão Antoni Gutiérrez-Rubi é um dos principais assessores do candidato peronista e foi assessor, também, do presidente Alberto Fernández e da vice-presidente Cristina Kirchner.
— O catalão está trabalhando com Massa há mais tempo, e conhece bem vários dirigentes peronistas — comentou uma fonte da campanha.
Em 2022, Gutiérrez-Rubi foi peça-chave na eleição de Gustavo Petro, primeiro presidente de esquerda da Colômbia. No segundo turno, o rival de Petro foi Rodolfo Hernández, um outsider como Milei, conhecido como o Rei do TikTok pelo sucesso de seus vídeos em uma das redes sociais favoritas dos candidatos antissistema. Como Milei, o colombiano foi comparado com Hitler e apontado pela campanha de Petro como um risco para a democracia de seu país.
Há elementos semelhantes nas campanhas contra a direita radical em Brasil, EUA e Colômbia, e talvez o mais importante deles seja a estratégia central de conseguir que a agenda de debates gire em torno ao adversário. O objetivo de Lula, Petro e, agora, Massa, é elevar a rejeição de seus rivais, já que é quase um caminho natural, explicam fontes da campanha do peronista, para enfrentar figuras tão disruptivas e inéditas em seus países.
No caso argentino, o desafio é ainda maior. Petro, que venceu na terceira tentativa de chegar ao poder, era um candidato forte na Colômbia por representar uma esperança de mudança num país no qual a sociedade estava farta da corrupção e do abandono dos setores mais humildes por parte da política tradicional. Lula e Biden puderam apontar as falências dos mandatos de Bolsonaro e Trump, além dos riscos que ambos poderiam representar para a democracia de seus países. Já Massa é ministro da Economia de um país em ruínas e representa um governo com 80% de desaprovação. Sua única saída era elevar a rejeição a Milei, que tem apenas dois anos de experiência em política, e tentar evitar que a campanha focasse sua desastrosa gestão como ministro.
Ao contrário de Massa, Milei tem a equipe 100% nacional, integrada por alguns estrategistas que trabalham no exterior. O mais conhecido é Fernando Cerimedo, que colaborou com o ex-candidato presidencial chileno José Antonio Kast, da direita radical, e com Bolsonaro.
Brasileiros, espanhóis e americanos convenceram Massa de que a famosa terceira via, que o candidato sempre defendeu, não existia mais. Era necessário, comentou uma das fontes consultadas, partir para um embate direto com seu rival, construindo um dilema entre Milei e a Argentina, não apenas entre Milei e o peronismo e o kirchnerismo.
Massa seguiu à risca as orientações dos estrategistas internacionais, sempre contando com a ajuda da sua base peronista e kirchnerista. A mistura dos dois elementos rendeu, na opinião de analistas, seja qual for o resultado, uma campanha surpreendentemente bem sucedida.
Fonte: O Globo