Elas existem: conheça executivas negras que tomam decisões no topo das empresas e abrem portas para outras

Jandaraci Araújo foi de pequena empreendedora a conselheira de empresas e agora ajuda trajetória de outras mulheres negras
Jandaraci Araújo foi de pequena empreendedora a conselheira de empresas e agora ajuda trajetória de outras mulheres negras — Foto: Divulgação

Investidor-anjo é aquele disposto a ouvir empreendedores e a financiar suas ideias inovadoras, geralmente tomando um risco alto para viabilizar um negócio do qual sairá com uma boa fatia do retorno financeiro lá na frente, se tudo der certo.

A atenção de quem pode tomar esse tipo de decisão geralmente é disputadíssima por quem, por exemplo, busca capital para viabilizar uma startup, mas, se o anjo for uma mulher negra, é capaz de ela passar despercebida numa rodinha de empreendedores ávidos por investimentos.

Nos últimos anos, o mundo corporativo apertou o passo na pauta da diversidade racial, particularmente nos andares mais baixos das organizações. Mas há espaços de poder em duas pontas do mundo dos negócios que ainda são marcados pela predominância branca e masculina: o dos que decidem quem vai receber investimentos e financiamentos e o de quem define onde as empresas vão aplicar recursos.

Não se espera uma mulher negra nessas instâncias porque elas são muito poucas mesmo. Mas elas existem e, depois que conseguem furar esse teto de vidro, empenham-se em usar sua identidade para sair da invisibilidade, inspirar novas gerações e abrir as portas para outras profissionais como elas.

Dos oito mil investidores-anjo mapeados no Brasil, 16% são mulheres e 3% se declaram negros, segundo dados da organização Anjos do Brasil. A pesquisa “Panorama Mulheres 2023”, da consultoria Talenses Group, identificou só 2,4% de mulheres pretas em conselhos de administração de companhias.

No “Perfil dos CFOs no Brasil 2023”, organizado por Insper e Assetz Expert para traçar um perfil dos diretores financeiros de empresas, nada menos que 87% nessa posição são do sexo masculino, sendo 90% autodeclarados brancos e 7,2% pardos. Somente 1,2% é preto e outro 1,2% classifica-se como amarelo, de origem asiática.

— Há sim uma invisibilidade da população negra no mundo das finanças, como também não há fomento ao desenvolvimento de carreira destes profissionais. Mesmo quem já está no mercado não consegue alcançar posições mais altas sem anular o diálogo de diversidade — observa Nina Silva, CEO do movimento Black Money, que estimula negócios liderados por pessoas negras.

Ela acrescenta:

— Não podemos esquecer que o mercado financeiro hoje é basicamente um quarto poder, influencia ações públicas e a política fiscal do país. Precisamos que tenha outra visão sobre como reger e impactar nossa sociedade.

Estimular uma visão mais inclusiva no setor financeiro tem sido um dos pilares da BlackWin, primeira plataforma digital para apoiar mulheres negras a se tornarem investidoras-anjos. Se os empreendedores não sabem onde estão essas mulheres com capital para investir, a tecnologia faz a ponte.

Apresenta novas fontes de capital para negócios e prepara mulheres negras bem-sucedidas para assumir mais risco e multiplicar seu patrimônio. Com 23 associadas, a BlackWin já fez uma rodada de investimentos, de R$ 400 mil, com aporte recebido pela Gestar, uma empresa de serviços ligados à maternidade.

Recentemente, a BlackWin lançou uma cartilha intitulada “Investimentos inteligentes em diversidade”, que ajuda agentes econômicos a entenderem como “transversalizar” a questão racial no processo de investimento e fortalecer a governança de fundos e gestoras de ativos para que tenham equipes mais diversas, atentas a novas oportunidades.

— Não adianta só ter analistas negros, é preciso que haja mudança nos processos de busca de empresas (a serem investidas), de monitoramento do investimento até o equity (aporte financeiro). Diversidade no corpo de pessoas vem e vai. O que queremos é que os processos mudem e deixem um legado de transformação — diz Luana Ozemela, uma das fundadoras da BlackWin que já foi executiva de multinacionais e recentemente se tornou vice-presidente de Impacto Social no iFood.

Ela diz que é só o começo:

— Ainda temos um grande percurso porque as mulheres negras ocupam poucas posições de C-level (de diretoria) e tomada de decisão. Enquanto não conseguirmos alocar capital, não teremos impacto em escala.

Mesmo com todo o debate sobre diversidade no setor corporativo, as imagens da Faria Lima, centro financeiro de São Paulo, quase não mostram mulheres e negros. Mas em um dos escritórios ali, Fernanda Ribeiro assume o protagonismo. Em maio, ela trocou o cargo de diretora de Operações da Conta Black pelo de CEO, substituindo Sérgio All, seu sócio e marido que dirigia a fintech desde a fundação, em 2017. Ele cuida da inovação da empresa enquanto ela lidera.

— Já era algo previsto. Ser uma mulher à frente de uma empresa financeira é simbólico e ao mesmo tempo desafiador — reage a executiva.

Não foi à toa que a empresa se mudou para o distrito paulistano mais disputado pelo mercado financeiro. A startup, financeira que nasceu de uma conta digital que se propõe a democratizar o acesso a serviços bancários de negros e periféricos (muitos empreendedores), historicamente negligenciadas pelos bancos tradicionais, ingressou no disputado ramo dos investimentos.

Mesmo distante da Faria Lima, diversidade racial ainda não é o forte dos conselhos de administração, a instância mais importante das grandes companhias. É outra área com mudanças lentas. Por isso conselhos empresariais e voluntárias se unem para acelerar a mudança.

É praticamente um consenso na retórica das empresas que diversidade é bom para os negócios, reduz riscos, gera mais inovação e mais lucros. No entanto, nos colegiados responsáveis pelas decisões estratégicas das companhias, quase 90% dos integrantes são homens. Os brancos são 95%, segundo a última pesquisa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) com as 500 maiores empresas.

A entidade tem dois programas de preparação de mulheres e negros para conselhos e apoia o Conselheiras 101, que já formou quatro turmas de executivas negras e indígenas para o topo das organizações. Na última, houve mais de 400 inscritas para 40 vagas.

— Foi a parte mais difícil, dizer “não” para uma mulher negra que leva tantos “nãos” sempre — conta Jandaraci Araújo, cofundadora do programa e atuante em colegiados de várias organizações que observa um traço comum nas candidatas, que devem ter no mínimo dez anos de experiência corporativa: insegurança, medo de se expor. — Trabalhamos para que ela se entenda como potência para trazer novas possibilidades à sua carreira.

A quem questiona a necessidade de um programa só para mulheres negras, ela tem resposta na ponta da língua:

— Sempre existiu programa para mulheres, mas nunca para nós, que somos a maioria da população e não estamos em lugar nenhum. Todas as estatísticas de alta liderança nos colocam em traço. Resolvemos focar nesse lugar corporativo onde esse processo de invisibilidade é muito cruel.

Fonte: O Globo

© 2024 Blog do Marcos Dantas. Todos os direitos reservados.
Proibida a reprodução total ou parcial do conteúdo deste site sem prévia autorização.