Criticada por apagão, Enel SP acumula insatisfações desde 2019

Desde 2018, a Enel é a concessionária responsável por distribuir energia elétrica para 24 municípios da Região Metropolitana de São Paulo.

A Enel SP se viu no centro de uma crise desde a última sexta-feira (3), quando um temporal deixou milhões de pessoas na Grande São Paulo sem energia elétrica. O problema evidenciou um outro que é observado desde que a empresa assumiu a distribuição de energia para 24 municípios do estado de São Paulo, inclusive a capital: a queda da avaliação positiva entre os consumidores.

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Na noite de ontem, o governador Tarcísio de Freitas informou que 300 mil domicílios ainda estavam sem energia no estado, dos quais 185 mil na capital. Ao todo, 2,1 milhões de endereços haviam sido afetados. A empresa informou que até hoje os serviços serão restabelecidos totalmente.

Segundo dados do balanço de sustentabilidade da Enel, o índice de satisfação de qualidade percebida pelos consumidores está em queda desde 2019, primeiro ano que a empresa assumiu a concessão da distribuição de energia em São Paulo. O índice era de 69,7% em 2019; de 66,5% em 2020 e de 56,4% em 2021. No ano passado, ficou em 55,5%.

A Enel SP está na posição 19º no ranking do Indicador de Desempenho Global de Continuidade da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), entre 29 concessionárias de grande porte avaliadas.

Questionada, a Enel informou que, nos últimos cinco anos, “tem apresentado uma evolução contínua nos indicadores de qualidade” medidos pela Aneel, “que estão em patamares melhores do que as metas regulatórias”. A concessionária acrescentou que “os dois principais indicadores acompanhados pela agência reguladora (DEC e FEC, que medem respectivamente a duração média e a frequência média das interrupções) estão atualmente em patamares melhores do que as metas regulatórias. Entre 2015 e 2022, o DEC melhorou 73% e o FEC melhorou 48%”

A Enel viu seu lucro subir desde que comprou a Eletropaulo e passou a distribuir energia elétrica para 24 municípios da Região Metropolitana de São Paulo, a partir de 2018. Os investimentos da empresa, no entanto, não seguiram o mesmo ritmo.

No ano em que passou a operar na Grande São Paulo, a Enel fechou o balanço com prejuízo líquido de R$ 315 milhões (sem ajuste pela inflação). Quatro anos depois, em 2022, o caixa estava no azul. A empresa encerrou o ano com lucro líquido de R$ 1,4 bilhão, alta de mais de quatro vezes. O valor direcionado para investimentos não aumentou na mesma intensidade — em cinco anos, foi de R$ 1,3 bilhão para R$ 1,9 bilhão, crescimento de 46,1%.

Mas a distribuidora alega que desde a compra da Eletropaulo tem feito uma média anual de investimentos “da ordem de R$ 1,3 bilhão por ano, contra cerca de R$ 800 milhões por ano investidos anteriormente”. Segundo a Enel São Paulo, os investimentos são principalmente na digitalização e na automação da rede elétrica, “o que tem refletido na melhora dos indicadores de qualidade e na eficiência da companhia”.

Depois de 72 horas, além da luz, prédios também ficaram sem água, com o funcionamento das bombas prejudicado pela falta de energia. Os moradores desasbatecidos de São Paulo tiveram que improvisar. Quem pôde, foi para casa de parentes e amigos. Os que resistiram em casa, recorrem a luz de velas e galões de água comprados no mercado.

O apagão também causou danos financeiros na cidade. Segundo a Associação de Bares e Restaurantes de SP (Abrasel-SP), 15% dos mais de 155 mil estabelecimentos que existem em São Paulo continuavam sem energia nesta segunda. Quase metade dos empresários ouvidos (46,8%) alegou que teve prejuízos leves a moderados e ao menos 49% consideraram que a resposta da Enel foi insatisfatória.

Na reunião das concessionárias de distribuição de energia com Tarcísio e prefeituras de cidades afetadas, ontem, ficou acertado que as empresas vão apresentar em até 30 dias alguma forma de ressarcir perdas com itens como alimentos ou eletrodomésticos. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, ameaçou entrar na Justiça contra a Enel se a empresa não cumprir a promessa de restabelecer a energia em todos os domicílios até hoje.

Uma das reclamações dos prejudicados era a falta ou demora no atendimento da Enel. A empresa, no entanto, sustentou que está com uma “resposta de recuperação da rede mais efetiva” do que em 2019, quando, “em uma situação de fortes chuvas”, restabeleceu o fornecimento de energia para 650 mil clientes em até 24 horas.

“No sábado, após a ventania de mais de 100k/h — a mais intensa registrada nos últimos anos com danos severos à rede de distribuição — 960 mil clientes tiveram o fornecimento de energia normalizado em 24 horas, com uma mobilização total dos times de operação de campo parceiros e próprios da distribuidora”, afirmou a distribuidora, em nota.

Em meio à crise com a empresa, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que é preciso “perseverar na crença” de que é importante trazer o capital privado para o país. Ele defendeu que não se pode ficar preso ao que deu errado, se referindo à empresa de energia.

— Tenho certeza que a gente vai perceber o que deu errado, aplicar nos novos modelos, trazer o capital (privado) para cá e ter concessões e privatizações extremamente bem-sucedidas — disse Tarcísio, em evento organizado pelo BTG Pactual nesta segunda-feira.

Depois de receber 300 reclamações em três dias em razão da falta de energia, o Procon de São Paulo abriu um procedimento para apurar quais medidas foram adotadas pelas concessionárias de energia que atendem a região metropolitana de São Paulo e a Baixada Santista, incluindo a Enel.

O Ministério Público de São Paulo informou que a Promotoria do Consumidor vai receber representantes da Enel nesta terça-feira, que falarão sobre as medidas tomadas para solucionar a interrupção de energia na Grande São Paulo, iniciada com o temporal de sexta-feira. O MP afirmou que já existe procedimento aberto para avaliar a qualidade dos serviços prestados pela empresa.

A Enel foi questionada sobre quais pontos ainda estão sem energia, mas a empresa não respondeu. De acordo com relatos nas redes sociais, bairros como Pinheiros, Butantã e Morumbi, na Zona Oeste, e Mooca e Vila Prudente, na Zona Leste, seguem sem luz. Na Zona Sul, moradores do Campo Belo e Campo Limpo também relatam falta de energia até agora. Na região metropolitana, há relatos em bairros de Cotia e São Bernardo do Campo.

*Estagiária sob a supervisão de Maurício Andrade

Fonte: O Globo