Diante de um cenário que não tem previsão para melhorar, e com chances de se repetir, gestores públicos e governantes do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre terão de adotar soluções estruturantes para reforçar um sistema que falhou para o que foi projetado: conter as águas do Guaíba, que pode chegar hoje ao nível de 5,6 metros na capital, de acordo com projeções da Defesa Civil. As saídas foram propostas por especialistas ouvidos pelo GLOBO.
As soluções foram apontadas para os três principais mecanismos de contenção de cheias na capital gaúcha: os diques, o Muro da Mauá e as bombas que jogam de volta ao rio a água que pode entrar na cidade. Para os diques, são recomendados o uso de bombas submersas, capazes de funcionar mesmo com enchentes e sem ser afetadas por curto-circuitos, no lugar das que operam apenas a seco. Além disso, a orientação é uma rede elétrica exclusiva para que as bombas continuem funcionando mesmo em casos de apagões em Porto Alegre.
No caso do Muro da Mauá, a medida proposta pelo engenheiro e doutor em recursos hídricos Fernando Dornelles é a elevação em cerca de meio metro de sua altura, atualmente em seis metros, a partir de um novo estudo hidrológico do Guaíba.
— A cota atual foi feita a partir da enchente de 1941, que chegou a 4,76 metros — lembra.
Há vãos entre as comportas e o muro de contenção, que permitiram enchentes em alguns pontos, como o Aeroporto Salgado Filho. A solução, de acordo com especialistas, seria aparafusar as comportas aos muros. Borrachas de vedação seriam uma outra solução para tapar completamente o espaço entre as comportas e os muros.
Dornelles lembra que o Muro da Mauá não é feito de tijolos, mas de concreto armado, para resistir à força lateral das águas. Na região central, ele tem 2.646 metros de comprimento e seis de altura. A proteção foi finalizada em 1974, e fica ao longo do Canal dos Navegantes, parte do Delta do Jacuí, que, além de pântanos e de um arquipélago com 16 ilhas, recebe o fluxo dos rios Caí, Sinos e Gravataí.
Para o professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Gino Gehling, houve problemas de manutenção em um sistema que foi bem concebido, mas para conter uma enchente menor do que a atual, a de 1941.
— Em uma estimativa, pode-se avaliar que se façam necessários R$ 700 milhões para recuperar instalações e modernizá-las — destacou.
Das 23 estações de bombeamento de águas pluviais (Ebaps), havia apenas sete em funcionamento até ontem. Roubo dos motores, manutenção, desligamento devido às enchentes, quedas de energia e riscos de choque estão ligados aos desligamentos. Para Gehling, os motores, que atualmente só operam no seco, poderiam ser substituídos por conjuntos motobomba submersíveis.
— O emprego de motores que operam a seco exige a sua desativação quando estiverem na iminência de serem cobertos pelas águas. Foi o que ocorreu agora — disse.
A construção de muros em volta das bombas — da mesma altura e composição que os muros da Mauá — seria outra alternativa para que as estações continuassem a operar mesmo com enchentes, explicou Dornelles:
— A região em volta poderia ficar alagada, mas ela estaria preservada. Tentaram ligar uma das máquinas e ela queimou pois os motores estavam úmidos. É uma corrente elétrica muito grande.
Ele ressalta a importância da instalação de linhas de energia dedicadas às casas de bomba. Sobre as comportas, os especialistas explicaram que elas deveriam ser autônomas e autossuficientes.
— Vem circulando um projeto dos anos 1980, com parafusos de fixação e uma borracha de vedação. Não deviam usar sacos de areia — afirmou Dornelles, que flagrou uma das comportas com um vão de dez centímetros para o muro, na altura do aeroporto de Porto Alegre. — Tentaram evitar com sacos de areia em volta da comporta. É como se Porto Alegre estivesse dentro de um barco com um furo e eles tentassem jogar água para fora com uma canequinha.
Enquanto as soluções não saem, o Guaíba continua a ameaçar a cidade, pelo vento contínuo que impede a vazão da água para a Lagoa dos Patos, em uma passagem considerada estreita, e chega a formar ondas que atrapalham os trabalhos de resgate.
A catástrofe climática também interrompeu a assinatura de um contrato de concessão entre o Consórcio Pulsa RS e o governo do estado para o Cais Mauá.
Fonte: O Globo